domingo, dezembro 14

Crítica: O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos (2014)


Por Maurício Owada

"O último adeus a Terra-Média no cinema"


*Este post evitará qualquer menção ou comparação com O Senhor dos Anéis, independente da relação próxima devido ao universo literário que dividem

Estranho um filme que termina sem um embate final, assim como esse embate abre outro filme, deixando uma colcha de retalhos no final do segundo capítulo e no começo do outro (como se fosse seriado), já que as conclusões são óbvias. O embate entre Bard (Luke Evans) e Smaug (voz de Benedict Cumberbatch) é empolgante, porém logo é ofuscada pela batalha iminente entre os cinco exércitos do título da última parte de O Hobbit. Segue-se a batalha pela Montanha e suas riquezas, mostrando Thorin (Richard Armitage) cego pelo poder e pela posse da Pedra Arken, que tem o mesmo poder destrutivo da alma e da mente que o Um Anel. Aliás, se foi dito que seria evitado qualquer comparação com a premiada trilogia que apresentou a Terra-Média, O Hobbit apresenta a "futura ameaça" que Sauron proporcionará.

sexta-feira, dezembro 12

Crítica: O Poderoso Chefão: Parte II (1974)


Por Maurício Owada

"Caminhos semelhantes e destinos distintos
da família Corleone"

Apesar do livro homônimo de Mario Puzo abranger apenas a trama do primeiro filme, o que o estúdio da Paramount esperava era lucrar mais com a saga da família Corleone, ficando novamente incumbido da missão de escrever e dirigir para Francis Ford Coppola. Com um significativo aumento do orçamento e da liberdade criativa, conquistada pelo sucesso d'O Poderoso Chefão. O que o cineasta e autor (que virara roteirista em Hollywood após seu best-seller) montam é um recorte de um pedaço do livro, que conta a história de origem de Don Vito Corleone, mas destacam a condução de Michael no posto de chefe dos Corleone, tendo que lidar com conflitos familiares (nos dois sentidos do contexto da trilogia) e o governo em seu encalço.

domingo, dezembro 7

Crítica: O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei (2003)


Por Maurício Owada

"Um final épico, uma obra-prima do gênero,
de uma obra-prima da literatura"

Eis que chega a conclusiva e catártica parte da trilogia inspirada nos livros mais aclamados do mestre da fantasia, J.R.R. Tolkien. Peter Jackson conclui exausto, mas com grande chave de ouro, a saga do Um Anel, que tem que ser levada para Mordor para ser destruída e eliminar com a ameaça de Sauron, o Senhor do Escuro.

Se todos os aspectos da literatura tolkieniana, como o seu universo detalhado pela belíssima direção de arte ou a poesia como no monólogo de Sam (Sean Astin), no último filme da trilogia, o que se destaca é o embate e a redenção. O fim do Um Anel, as resoluções das jornadas de Frodo (Elijah Wood), Aragorn (Viggo Mortensen), o elfo Legolas (Orlando Bloom), o anão Gimli (John Rhys-Davis) e o agora, mago branco Gandalf (Ian McKellen). Todos lutarão em prol do cumprimento da missão de um pequeno indivíduo que terá que transpassar exércitos terriveis de Orcs e a loucura do Gollum/Smeagle (Andy Serkis).

Peter Jackson eleva o nível da palavra épico, principalmente na batalha de Gondor, quando homens e orcs se enfrentam e o roteiro ainda trás gratas surpresas com o rumo da história, dando destaque para cada um presente na guerra, como Éowyn (Miranda Otto), que têm uma passagem tremendamente importante, uma personagem forte que deseja lutar ao lado dos homens do que esperar por eles em sua casa. A saga de Tolkien pouco a pouco, chega a seu momento derradeiro, já que apesar de lutas e mais lutas contras as forças de Sauron, através de diversas tramas paralelas, que ao todo divergem para um mesmo interesse, o mais importante é de Frodo e Sam, que precisam lidar com a sedução do Um Anel e a cobiça traiçoeira de Gollum, em meio a um caminho cheio de perigos.

Mas se em questão de roteiro, o cineasta, Philipa Boyens e Fran Walsh transpuseram na tela muito bem, o universo da Terra-Média, ela peca pela metragem excessiva, num longuíssimo terceiro ato, ainda que feche o arco de cada personagem, mais uma vez numa belíssima narração de Sean Astin, embalada pela literatura tolkieniana.

O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei (The Lord of the Rings: The Return of the King) é a grande catarse, o enfrentamento do mal, por isso é normal que maior parte do filme seja mais ação, dando destaque para as grandes batalhas, pecando em pequeníssimas coisas - um grande feito devido a grandeza dos livros na cultura e sua importância - que são perdoadas devido a qualidade do roteiro, da direção, das atuações e dos quesitos técnicos, importantes para a construção de um universo vasto e rico, criado a partir da mente de um autor que enxergava na fantasia, um reflexo do mundo real (J.R.R. Tolkien escreveu O Senhor dos Anéis na época da Segunda Guerra Mundial e foi dividido em três livros devido ao preço do papel para edição devido ao conflito).

Uma grande obra do cinema para uma grande obra da literatura moderna.

Nota: 9,5/10,0




Trailer:


sexta-feira, novembro 28

Sessão Curta+: Os Anjos do Meio da Praça (2010)

Filme: Os Anjos do Meio da Praça 
Direção: Alê Camargo e Camila Carrossine
RoteiroAlê Camargo e Camila Carrossine
Gênero: Fantasia/Animação
Origem: Brasil
Duração: 10 minutos
Premiação: Prêmio especial do júri no 38º Festival de Gramado
Sipnose: Uma fábula sobre anjos caídos, sonhos esquecidos e um menino.

*Dica: aperta no item da lateral do vídeo para expandir a imagem. Legendas em inglês.

Filme:

segunda-feira, novembro 24

Crítica: Boyhood - Da Infância à Juventude (2014)


Por Maurício Owada
"O desenvolvimento natural do tempo
na diegese cinematográfica de forma nunca vista"

O tempo sempre foi um elemento importante no cinema e principalmente, um elemento que muitas vezes deforma na diegese cinematográfica como recurso narrativo, sejam os flashbacks, os saltos temporais, entre tantas outras coisas para denotar a passagem ou a volta dele, dependendo do que o diretor quer contar. Richard Linklater nos agraciou com o retrato de como Celine e Jesse (Julie Delpy e Ethan Hawke, respectivamente) se conheceram, se reencontraram e se juntaram na trilogia Antes..., mostrando em dois intervalos de nove anos. a vida do casal que se apaixonam jovens, amadurecem e depois demonstram os sinais de rugas da vida, tendo que lidar com conflitos internos e obstáculos do cotidiano.

Com um costume de filmar em segredo, Linklater escondeu durante doze anos, a filmagem da história de um garoto até a sua puberdade, atingindo a maioridade. Ellar Coltrane foi o escolhido pelo cineasta para viver Mason durante todo esse tempo, envelhecendo junto com seu personagem e é nessa abordagem mais contemplativa e menos corrida do tempo que Linklater constrói de forma sublime, o crescimento de um rapaz que lida com pais divorciados, amores e o sonho de ser um fotógrafo. Mason amadurece diante dos nossos olhos em quase três horas de projeção numa naturalidade absurda e vai ser normal se apegar aos personagens imensamente, seja o pai irresponsável (Ethan Hawke), a mãe solteira (Patricia Arquette, uma das personagens que mais evolui e numa belíssima atuação) e as comuns brigas com sua irmã mais nova (Lorelei Linklater). Mas o cineasta não se prende à grande conquista de fazer um filme desse modo, seu roteiro é trabalhado de forma natural, os personagens envelhecem em nossos olhos não só fisicamente, mas também espiritualmente: Mason parte de um garotinho calado que assiste Dragon Ball Z e joga video game a um adolescente questionador e inquieto em busca da independência pessoal e uma conquista artística. Ou sua mãe, que apesar da personalidade totalmente diferente, seus conflitos são parecidos.

Richard Linklater é um tipo de cineasta de pouco holofote, tendo feito alguns filmes cultuados, seus filmes não chegam ao auge extraordinário de popular, como seus colegas de geração, mas sempre foi um diretor ousado que trabalha com a linguagem e com os elementos cinematográficos de modo simples, mas sempre criativo. Seus filmes permeia a sétima arte através de sua filosofia, agregando aos personagens uma profundidade que não tem a pretensão de dar a grande catarse, mas de apenas retratar a vida. É assim que Boyhood funciona. Cada fase da vida flui de forma incrivelmente natural graças a uma montagem brilhante, levando em conta a sua total linearidade e mesmo tendo o mesmo tipo de abordagem da Trilogia do Antes, a sua montagem se diferencia por exigir cortes maiores da vida de Mason, enquanto a trilogia investia nos planos longos e planos-sequências das conversas do casal. Mas a sensação de intimidade entre público e personagem é algo que Linklater trabalha com proeza, com diálogos bem construídos, cheios de referência pop, que serve de amuleto ao público para a localização temporal e apesar de ser um drama, o texto é leve quando lida com as eleições presidenciais que culminariam na vitória de Barack Obama (felizmente, um detalhe da trama que não é spoiler numa crítica... "risos") de forma bem humorada, mas não menos real com o que houve. 

Boyhood - Da Infância à Juventude (Boyhood) é um filme que não dá pra explicar muito. Richard Linklater encontra grandeza no cotidiano da vida, nos nossos problemas pessoais, nas nossas frustrações e desejos, graças a sensibilidade do cineasta. A trilha-sonora também sai do lugar comum, misturando clássicos contemporâneos do rock e do folk, junto com hits mais pops. Não é sempre, ainda mais hoje, que um cineasta lança uma obra-prima do cinema, não só em seu conceito, mas como filme em si. 

Nota: 10,0/10,0




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sexta-feira, novembro 21

Sessão Curta+: Loop (2002)

Filme: Loop 
Direção: Carlos Gregório
Roteiro: Carlos Gregório
Gênero: Drama/Ficção-Científica
Origem: Brasil
Duração: 6 minutos
Sipnose: Um cientista, obcecado pela ideia de reconstruir seu passado, inventa uma máquina do tempo. Momentos antes do teste final, ele reflete sobre sua vida e as inquietações que o levaram àquela experiência.

*Dica: aperta no item da lateral do vídeo para expandir a imagem. Legendas em inglês.

Filme:

terça-feira, novembro 18

Crítica: Interestelar (2014)


Por Maurício Owada

"O infinito se perde a busca obsessiva da lógica
de Christopher Nolan"

Se em 2001 - Uma Odisséia no Espaço (2001: A Space Odissey, 1968), Stanley Kubrick abria mão de toda a verossimilhança do cenário futurista que ele e Arthur C. Clarke imaginaram, para filosofar sobre a condição humana perante o universo de modo sensitivo, numa viagem transcedental que levou o gênero de ficção-científica ao patamar de pura reflexão, além de apenas elementos futuristas ou espaciais. Anos se passaram e a influência da obra-prima de 1968 se mostra presente em muitas divagações existenciais de filmes do gênero dos últimos anos, sejam de abordagem espacial ou não. 

Christopher Nolan é um diretor que fez sua carreira com tramas engenhosas e reflexões diante das condições de seus protagonistas, a própria trilogia do Batman segue essa abordagem, assim como a rivalidade de mágicos em O Grande Truque (The Prestige, 2006) a confusão mental de Guy Pearce em Amnésia (Memento, 2000), a culpa em Insônia (Insomnia, 2002), além do conflito entre o consciente e o subconsciente em A Origem (Inception, 2010). Desta vez, Nolan busca resposta além da Terra, sai da busca pelos conflitos internos para entender o universo em Interestelar (Interstellar), mas sua busca constante pela resposta definitiva dá pouco espaço pra refletir sobre o infinito.

Sempre obcecado pelas explicações constantes, Nolan sempre demonstrou uma certa problemática de linguagem, ficando mais evidente em A Origem e ainda que Batman - O Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight, 2008), seja seu filme com o roteiro mais estruturado (além de ser o mais brilhante da sua carreira, já que tivemos um inspirado Heath Ledger em tela), apresentava furos de roteiro que passavam disfarçado como uma trama engenhosa, devido ao teor "cebeçudo" de suas obras. Interestelar carrega dois desses dois pecados no estilo de Nolan, ainda que em alguns momentos as explicações sejam necessárias para entender o que acontecerá, isso se torna recorrente e tira um pouco do brilho do espaço que Nolan filma tão belamente a partir de enquadramentos que tomam o ponto de vista da nave ou do astronautas, seguindo a pegada de Alfonso Cuarón em Gravidade, buscando retratar mais a vastidão e a solidão do espaço.

Num futuro próximo, quando uma praga tomou conta e eliminou todos os tipos de comida, sobrando apenas o milho, o que deixou a humanidade a beira do apocalipse e fazendo com que todos se tornem fazendeiros, mas a praga e a poeira que se espalham pela Terra se tornam cada vez mais contínuos e os recursos naturais ficam cada vez mais escassos, o que leva a NASA, agora um setor secreto com financiamentos secretos do governo (devido ao contexto das pessoas tentando lutar por comida), buscar levar homens aos recantos mais longíquos do universo para encontrar planetas habitáveis para os seres humanos, utilizando como atalho os buracos de minhoca, que os levarão pra outras galáxias. Com uma trama que se equipara a uma grande obra de ficção-científica, Nolan constrói muito bem o contexto da Terra num tom até spielberguiano, cujo melodrama familiar pode desagradar alguns (levando em conta que o roteiro original de Jonathan Nolan, irmão do diretor, foi feito para Spielberg), mas as atuações ótimas de Matthew McConaughey e da jovem Mackenzie Foy ajudam a criar o laço necessário para que o público se importe para todo o conflito sentimental do filme.

Apesar dos vícios de atuação e dos mesmos trejeitos em cena, Matthew McConaughey demonstra um talento ímpar em trazer a dramaticidade dos seus personagens a tona e possui uma presença forte, desde que saiu da zona de conforto das comédias românticas. Mas com um elenco tão estelar (perdão pelo trocadilho óbvio, principalmente pela obviedade do trocadilho), Nolan aproveita muito pouco e os diálogos pouco bem trabalhados, chega a soar disforme com o tema, como uma das falas da personagem de Anne Hathaway sobre o 'poder do amor'. Talvez seja esse o defeito maior do roteiro de Jonathan e Christopher Nolan, ficarem expondo falas quando a contemplação devia ser o foco, assim como alguém conversa ou come pipoca numa cena silenciosa, quando se a atenção do público é exigida. E isso não é problema apenas do roteiro, mas da própria direção, que tem medo de que o público fique sem entender, quando já se dispõe a trabalhar com o infinito desconhecido, algo além do nosso alcance.

Em partes técnicas, os filmes de Nolan são sempre um primor e esse não é diferente e deve conquistar muitos prêmios nesse quesito, utilizando de maiores efeitos práticos e um pouco menos do uso de CG, apenas quando necessário e a cena do buraco negro, apesar de cientificamente impossível (lembrem-se, ficção-científica, é pautado na ciência, mas não é puramente ela fiel em tela), a sensação de desolação, medo e imersão é de um primor que é de se lamentar que o cineasta não tenha a mesma mão para a narrativa. A fotografia foge da paleta de cor azul fria comum na filmografia do diretor e a trilha-sonora de Hans Zimmer é uma atração a parte, utilizando da boa escolha de uma música menos presente e mais sutil, remetendo a trilha do clássico de Kubrick.

Interestelar queima suas asas na própria ambição de atingir o Sol ou algo além dele, se em outros filmes, que ele explorava o interior humano, já era expositivo até demais, aqui o pecado é maior ainda, já que no espaço, se predomina o silêncio. E levando em conta os inúmeros blockbusters que se passam, a ficção-científica de Christopher Nolan é uma ousada produção, uma boa pedida diante de tantos filmes vazios dentro da indústria tão escassa em novidades e obras com mais sustâncias e muitas vezes, um cineasta pretensioso é sempre bom para um mercado cinematográfico em declínio, produzindo coisas originais, ainda que erre a mão tentando.

Nota: 7,5/10,0




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quinta-feira, novembro 13

Sessão Curta+: Raak (2006)

Filme: Raak
Direção: Hanro Smitsman
Roteiro: Anjet Daanje e Philip Delmaar
Gênero: Drama
Origem: Holanda
Duração: 9 minutos
Premiação: Urso de Ouro de Curta-Metragem no Festival de Berlim, 2006
Sipnose: Pequenos eventos na vida de três pessoas levam ao momento em que um garoto joga uma pedra de uma ponte para acertar um carro. Causas pequenas e desimportantes podem levar a grandes consequências.

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Filme:

sexta-feira, novembro 7

Sessão Curta+: Kamera (2011)

Filme: Kamera
Direção: Nijo Jonson
Roteiro: Nijo Jonson
Gênero: Drama
Origem: Índia
Duração: 16 minutos
Sipnose: Um garoto pobre que mora sozinho com a mãe sonha fazer as pessoas sorrirem quando crescer e tem um talento nato para isso, mas ele não consegue tirar um sorriso de sua mãe, que o obriga a trabalhar para ajudar em casa. Ao achar uma câmera no lixão aonde trabalha, ele registra os sorrisos de todas as pessoas e pretende registrar o sorriso jamais visto de sua mãe.

*Dica: aperta no item da lateral do vídeo para expandir a imagem. Legendas em inglês.

Filme:

sexta-feira, outubro 31

Sessão Curta+: Meu Amigo Nietzche (2012)

Filme: Meu Amigo Nietzsche
Direção: Fáuston da Silva
Roteiro: Fáuston da Silva
Gênero: Drama e comédia
Origem: Brasil
Duração: 15 minutos
Sipnose: Nietzche foi um filósofo alemão do século XIX. Lucas é um estudante brasileiro do século XXI. O improvável encontro entre os dois será o começo de uma violenta revolução dentro da mente de um garoto, de uma família e de uma sociedade.
Ao final ele não será um menino, será uma dinamite!

*Dica: aperta no item da lateral do vídeo para expandir a imagem.

Filme:

quinta-feira, outubro 23

Crítica: O Lobo Atrás da Porta (2014)

Por Maurício Owada
 
"O horror cotidiano e banalizado em nossa sociedade"

Manchetes de jornais, notícias do dia-a-dia, o horror diário, as atrocidades banalizadas, a violência espetacularizada. Não é bem nesse tom que O Lobo Atrás da Porta imprime um ato horrendo que, hora ou outra, por motivos banais, surgem na tela da TV, embaladas pelas vozes de jornalistas sensacionalistas como um circo de horrores, aonde o principal foco é deixar o público enfurecido, assustado, indignado etc. Fernando Coimbra passa em tela alguns dos aspectos da sociedade que podemos caracterizar como doença, nisso se pode inserir diversos aspectos que saltam aos olhos do espectador de forma sutil, mesmo diante de uma história baseada em fatos, no caso, a Fera da Penha.

Atualizado para os dias de hoje, o filme reconstrói as ações de todas as personagens para entender o sumiço de uma garotinha, após ser buscada na creche por uma mulher estranha. Pouco a pouco, a trama se revela e apesar de ancorar no tom duro do seu final que remete um pouco ao cinema de Michael Haneke, o diretor e roteirista vai desenvolvendo o drama e em seu clímax, uma tensão que descamba para o horror final. O choque! Aquilo que lhe faz por a mão na boca, estarrecido, com os olhos arregalados... e não estamos falando de um filme de terror.

Problemas familiares, machismo e a representação do trem urbano como ponto de encontro entre Bernardo (Milhem Cortaz) e Rosa (Leandra Leal), um símbolo de casualidade, que chega cheio de atrações e perigos imprevisíveis, uma representação do escape cotidiano com os deveres do casamento, isso é impresso com uma segurança do diretor e uma câmera que se distancia ou se aproxima devagar de seus personagens, que concentra o drama em seus atores, mas com um olhar analítico. Oras, Coimbra utiliza dos personagens em primeiro plano, enquanto uma ação acontece ao fundo, fora de foco, pra remeter a sensação de distanciamento, solidão ou apatia.

Não só basta contar uma história do cotidiano, senão tiver diálogos primorosos e os do cineasta, beira a uma naturalidade absurda que parece improviso dos atores, além de uma estrutura narrativa sólida, que dá base para os atores construírem bem as situações. Se Milhem Cortaz e Fabíula Nascimento fazem um ótimo trabalho, como sempre em diversos filmes, Leandra Leal rouba a cena e as nuances exigidas para as suas transformações, decorrentes da instabilidade mental de sua personagem, são postas em prática de forma magnífica, ressaltando a beleza de seu olhar ou simplesmente, o puro ódio e rancor.

O Lobo Atrás da Porta demonstra uma capacidade enorme do cinema brasileiro para o cinema de gênero, apresenta um novo cineasta que promete muito ainda e repassa na tela, não a realidade das favelas, do sertão, como de princípio, se construiu o nosso cinema, mas a realidade nem tão sofrida, mas pouco poética dos subúrbios, dos simples eventos de paixões casuais, transas inconsequentes e famílias destruturadas que terminam de forma pouco empática e fatalista. Fernando Coimbra mostra tudo isso sem muito drama, sem julgamentos, sem espetacularização, sem discurso nenhum... só mostra e ainda assim, nos incomoda. E não somos postos a julgar.

Nota: 9,0/10,0



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terça-feira, outubro 21

Crítica: Garota Exemplar (2014)


Por Maurício Owada

"O casamento enquanto instituição falida"

David Fincher sempre se destacou pelo seu estilo de direção, cujos atores revelam bastante dos seus personagens, mas com uma câmera sempre distante, fria e é esse olhar analítico que sempre deu um destaque no estilo do cineasta, que sempre exala um tom autoral, mesmo que seja um diretor contratado para os projetos. Apesar de sua marca, Fincher é um diretor que tenta se renovar, mesmo que falho, O Curioso Caso de Benjamin Button (The Curious Case of Benjamin Button, 2008) foi uma bem-vinda tentativa de Fincher se desvincular apenas aos filmes mais sombrios, além do próprio Zodíaco (Zodiac, 2006), que apesar de pouco conhecido, é sua melhor obra, na qual a construção narrativa é mais devagar e foge do ritmo videoclipe de seus filmes anteriores. Após a volta com seu estilo de direção mais ritmica em A Rede Social (The Social Network, 2010), Fincher foi aprendendo a dar mais dimensão para a história ao conciliar duas linhas temporais do filme que se completam - a trajetória biográfica de Zuckerberg e o segmento de tribunal - graças ao texto excelente de Aaron Sorkin e voltou ao seu estilo sombrio em Millenium - Os Homens Que Não Amavam as Mulheres (The Girl with a Dragon Tattoo, 2011). Seu novo filme, ainda que não seja uma novidade no cinema americano em seus aspectos, eles são tão bem conduzidos e trás algo de fresco, ainda que traga alguns temas que o cineasta já explorou anteriormente.

Garota Exemplar ou Gone Girl, ambos títulos bem colocados para a obra, conta a história de Nick Dunne (Ben Affleck), que no quinto aniversário de casamento, vê sua mulher desaparecida e devido a fama dela trago pela coleção de livros inspirado em sua persona, escrito pelos pai dela, Nick se vê diante do mistério do desaparecimento de sua mulher, os segredos que vêm a tona e a espetacularização da mídia acerca do caso. Com roteiro da própria autora, o filme cria camadas e expõe com acidez a superficialidade dos personagens, assim como em A Rede Social, dando tridimensionalidade aos seus personagens, ao mesmo tempo que cria um clima de mistério, graças a uma impecável direção, que sabe trabalhar muito bem com seus atores, principalmente Ben Affleck, que consegue dar uma tonalidade interessante ao seu personagem e sua característica tida como defeito, que é a inexpressividade, causa uma dubiedade que apenas contribui para a sua atuação. Mas quem rouba toda a cena, com sua presença hipnótica e fantasmagórica é Rosamund Pike, que provavelmente terá espaço entre as premiações desta temporada, rica em nuances que se desenvolvem durante o longa.

Com um aspecto técnico bem trabalhado, a trilha-sonora de Trent Reznor e Atticus Ross, que vai acentuando o tom do filme conforme ele se desenvolve, explorando novas notas conforme a história se revela, além da edição, que apesar de "gordurosa", carrega bem toda a construção do filme, além da competente fotografia, que trás tonalidades mais frias.

Mas uma das coisas que mais chama atenção é sobre o assunto que é discutido no longa: o casamento. Mostrado como uma instituição falida, assim como o é, hoje em dia, através de uma estória de mistério, Gilliam Flyn expõe em seu texto, toda a superficialidade de um aparente casamento feliz e a manipulação das caras-e-bocas, inserindo também o elemento da imprensa televisiva, que se alimenta de rumores para aumentar o espetáculo diante da situação, expondo uma sociedade que mantém seus valores através de conceitos frágeis e fúteis, disfarçado por máscaras que maquiam algo mais sinistro e profundo.

David Fincher trás mais uma grande obra, ainda que não chegue ao primor de Zodíaco e A Rede Social, ou ao refresco de novidade de Clube da Luta (Fight Club, 1999), Garota Exemplar é uma obra exemplar que sabe trabalhar bem com seus elementos, seu personagens e ainda, nos trás uma crítica mordaz aos parâmetros da sociedade em relação ao casamento e de como as aparências enganam.

Nota: 8,0/10,0



Trailer:

sexta-feira, setembro 12

Crítica: Os Guardiões da Galáxia (2014)


Por Maurício Owada

"Um filme que segue a velha fórmula dos filmes de aventura
com um roteiro inspirado e divertido"

O selo Marvel Studios vem acarretando cada vez mais surpresas no mundo da sétima arte, principalmente a parte que toca Hollywood, seus blockbusters e sua mania de buscar mais adaptações. Pra quem reclama das adaptações das histórias em quadrinhos ultimamente, já era de praxe o mercado cinematográfico americano buscar adaptações de livros de grandes autores, sejam americanos ou estrangeiros, indo para adaptações de séries de TV e desenhos animados. Não demoraria para a tecnologia dos efeitos visuais possibilitassem a realização de um filme baseado em quadrinhos, desde Superman - O Filme (Superman, 1978), demorou anos para que uma linguagem básica aceitável dentro dos parâmetros do público e da crítica fosse estabelecida e ainda que Christopher Nolan tenha dado a Trilogia de Batman uma abordagem densa e dramática, foi a Marvel Studios que investiu em personagens próprios de modo diferenciado para levar seu universo até então, fadado às páginas desenhadas em pequenos quadros sequenciais, para as grandes telas e o primeiro filme foi o carro-chefe para seu sucesso: Homem de Ferro. Com alguns filmes ruins e bons, diante de uma irregularidade para a preparação do filme-evento Os Vingadores - The Avengers, a Marvel foi propondo novos elementos em seu universo, como outras dimensões, temas políticos e conspiratórios, aos poucos ele anunciou seu filme de maior risco: Guardiões da Galáxia (Guardians of the Galaxy). Conhecidos mais pelos fãs ávidos de quadrinhos, o grupo reúne uma gama de personagens politicamente incorretos e carismáticos, que buscam salvar a galáxia de ameaças espaciais.

Mas o que mais chamava atenção era uma abordagem dos anos 80 através da trilha-sonora que tinha diversos hits do rock e da música pop dos anos 70 e 80, intitulada Awesome Mix, Vol. 1 (clique para ouvir), que se tornou um dos discos mais populares. Esse apelo popular, juntamente com a dinâmica dos personagens que lembravam bastante Star Wars, principalmente Rocket Raccoon (voz de Bradley Cooper) e Groot (voz de Vin Diesel) que remetem a Han Solo e Chewbacca, que criou um apelo publicitário para fãs de cinema e cultura pop em geral e Os Guardiões da Galáxia é exatamente o que prometera ser: uma aventura diferente, no espaço, com cinco personagens que não carregam nenhum super-heroísmo e motivações que carregam muito bem a trama. Reunidos acidentalmente, ao surgir conflito de interesses e todos acabam presos, todos escapam da prisão e logo descobrem que o objeto que possuem pode cair nas mãos erradas, especificamente de Ronan (Lee Pace), um déspota e genocida Kree, que quebra o tratado de paz com o planeta Xandar e quer destruir todos os seus inimigos.

Apostando em uma bagagem cultural pop, o filme acerta em cheio em incluí-las além da mera referência, utilizando para enriquecer o texto, com diálogos inspirados e divertidíssimos entre o grupo, que sempre se atrita. A sintonia entre os atores é algo a se destacar e levando em conta que há cinco atores (dois deles fazendo dublagem de personagens em CG), o filme não "puxa a sardinha" nem pra um e nem pra outro, todos tem seu tempo equilibrado e Chris Pratt brilha no papel de Peter Quill, Zoe Saldana e Dave Bautista dão o carisma certo para seus personagens sisudos, o trabalho de animação e a voz de Diesel dá toda a 'fofura' a Groot e Bradley Cooper está em seu melhor papel, num excelente e sutil trabalho de voz. Além de ressaltar a presença ilustre de atores como Glenn Close, John C. Reilly, Djimon Hounsou, Benicio Del Toro e Josh Brolin despontando como Thanos, uma ameaça futura. James Gunn trás ao universo Marvel uma irreverência que faltava, que torna este com um senso de humor mais refinado dos seus demais, tendo um time incrível entre os atores, mostrando que não é necessário pontos específico de alívios cômicos para tornar o filme leve e sim, integrá-lo em sua plenitude e esse é o acerto do filme, que investe em uma aventura simples, seguindo a estrutura de desenvolver personagens em momentos chaves da trama, como os antigos bons filmes escritos com pureza por John Hughes.

Outro grande mérito de Guardiões da Galáxia é não se preocupar muito com o restante do universo Marvel e não busca quase nenhuma conexão com os filmes anteriores, imergindo o espectador numa deliciosa narrativa e a fotografia que foge do rótulo do estúdio, além da inspirada direção de arte que dá vida aos diversos planetas e estações espaciais. Porém, o único pecado do filme é não utilizar o acervo de baladas populares setentistas e oitentistas para uma composição mais interessante das cenas e em alguns momentos, belas canções ficam apenas como enfeite, sem um uso mais criativo na linguagem, mesmo que diegeticamente, ela seja da fita-cassete que o protagonista carrega para todos os lados.

Guardiões da Galáxia é a maior surpresa da Marvel Studios, uma aposta arriscada, mas certeira, em uma história, personagens e universo distintos do que fora visto até então e espirituosos na medida certa, abrindo um leque de opções para a expansão do universo dos quadrinhos para a Marvel.

Nota: 8,5/10,0




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segunda-feira, agosto 18

Crítica: Nada É Sagrado (1936)

“Punido por seu patrão, jornalista para retornar as graças com ele, aceita escrever uma série de artigos sobre joveminfeliz contaminada por rádio que possui pouco tempo de vida. Quando chega a pequena cidade onde ela mora, é ludibriado, já que o médico já havia lhe dito que o diagnóstico era errôneo: em realidade tratava-se de anemia – trata-se de um médico incapaz e dado as bebidas – único dispoível no pequeno lugar. Ela se cala e aceita se dirigir a new York e viver alguns dias de Cinderela como se estivesse a viver os últimos.”

Alguns mais atentos verão nessa sinopse semelhança com outro filme: Adorável Vagabundo (1941) de Frank Capra. Contudo Wellman e o roteiro não possuem por trás a preocupação social que o siciliano possuía o que enfraquece o seu resultado. Entretanto, esse não é desprezível. O roteiro (escrito por várias mãos) possui algo daquela magia que (salvo raras exceções) jaz perdida pelas gerações atuais. Wellman conhecido por seus Westerns e Filmes de Guerras se não decepciona, também não empolga. Falta-lhe uma maior desenvoltura para explorar as várias situações propiciadas pela história. Fica centrado apenas no romance entre o par central, esquecendo-se assim de outros achados: o jornalismo sencacionalista e a fome pela tragédia da população (que a imprensa marrou como Datena e Marcelo Resende explora até hoje – Wilder exploraria tão a perfeição no genial “A Montanha dos Sete Abutres”) Alguns personagens ainda que caricatos, nos divertem muito: Connolly cria um dono de jornal hilário, o engraxate/sultão é um achado, o méico alcólico divertido. Se Carole Lombard se sente a vontade no papel, falta a March o cacoete necessário para viver o personagem. Parte da falta de química da dupla  central nasce dessa falta de traquejo de Fredric para a comédia.


Alguns críticos acostumados a ter contato com a safra perfeita daquela época: Capra, Lubitsch, Hawks, Sturges, alguns La Cava e Leisen, certamente criticarão a obra e verão nela diálogos pouco explorados a algumas situações que mais constrangem que divertem ( O esquilo sobre as costas da protagonista e seu grit por exemplo) Wellamn parece ser perder com o roteiro e não possui a versatilidade necessária para trabalhar com o tema. A mise en scène soa insensata e monótona em vários momentos; o gênero ao contrário disso pede e requer uma disciplina e um manuseio das situações bem mais elaboradas por parte da direção. Apesar de contidos em suas virtudes pela direção, notamos o conhecimento que possuíam do que deveriam realizar em cena (exceto March). Apesar disso, o filme ainda surpreende e o tema é pertinente até hoje. Prova suprema que o que falta para os roteiristas de hoje é passearem seus olhos pelo que era produzido na velha Hollywood. Como o filme caiu em domínio público as cópias em DVD nem sempre trazem aquela preocupação em manter a obra a mais original possível. Isso não é culpa do filme e nem desculpa para não o conhecermos. Garantida uma boa diversão para quem se aventurar a vê-lo.



segunda-feira, agosto 11

Crítica: Irene, A Teimosa (1936)




A Comédia ligeira brilhou soberana na década de 30 e 40 nos EUA. Desse delicioso legado guardamos na memória mais facilmente os nomes de George Cukor, Ernst Lubitsch, Hawks, Capra (que se valeu do gênero mais o aprofundou ao seu mundo), McCarey e Sturges. Wilder exploraria como diretor tal veio bem mais tarde na década de 50, mas o seu estilo é mais corrosivo (genial porém), tendo contribuído nessa época como roteirista de algumas pérolas (A Oitava Esposa do Barba Azul, Bola de Fogo, Ninotchka – o que por si só bastaria para eternizá-lo na História da Sétima Arte). Outros diretores simplesmente jazem esquecidos, apesar de possuírem obras que merecem atenção do cinéfilo atento. Casos de Leisen (que se valia de roteiros de Sturges) e La Cava (que era tinha experiência anterior com animações). Iremos colocar nossa atenção sobre uma de suas obras aqui.

O que mais me encanta nesse gênero é a originalidade de suas premissas: “Aqui duas irmãs desocupadas e mimadas participam de uma gincana onde devem levar um mendigo até um clube onde membros da sociedade privilegiada participam de jogos absurdos com o objetivo de preencherem o vazio existencial de suas vidas. Num lixão improvisado sobre uma ponte elas se deparam com Godfrey (William Powell) e tentam o convencer a ir com elas. A menos arrogante das irmãs consegue convencê-lo e ela fatura a gincana. Como forma de agradecimento (ela sempre perdia para a irmã) ela resolve contratá-lo como mordomo. O homem aceita e descobre que terá de conviver com uma família de excêntricos malucos que a custa do dinheiro que possuem, cometem de enormes extravagâncias, ignorando assim a realidade social que vigora no país naquela época. Godfrey terá a missão de retirá-los do estado de inconsciência e mergulhá-los na realidade, tendo ainda de garantir seu emprego para não retornar as ruas, de onde escapara.”
Precisamos, para aprecia-lo melhor, lembrarmo-nos do contexto em que foi produzido. Os EUA passavam pela maior crise de sua História. O desemprego e a fome campeavam pelo país. Capra se encaixara nessa realidade com suas obras da qual se exalava um otimismo político, social e econômico e ousava em obras onde se depreendiam acentos socialistas como Adorável Vagabundo e O Galante Mr Deeds. Da parte de La Cava poderíamos (pela sua formação anterior) uma obra mais subversiva e anárquica, já que trabalha aqui com um roteiro que se ancora no choque das classes sociais. No entanto ele encaminha a historia para um terreno mais cômodo, deixando de lado temas políticos oportunos, mas que poderiam soar muito subversivos, Assim o filme apenas insinuará alguns temas e o roteiro tratará de colocar o mendigo/mordomo como alguém riquíssimo que optou por descer de sua torre de marfim para melhorar a realidade que o cercava. Essa revelação quando o filme já se adiantava, frustra um pouco o expectador moderno. Mas, no entanto torna crível o perfeito domínio do ambiente em que se ele enfiou, com uma diferença primordial: Ele mostra qual deve ser o comportamento dessa classe social. E por ser mais rico, acaba por ser o porta voz dessa classe: salva a família da bancarrota, as filhas se dão conta de como foram ridículas, sendo egoístas, imaturas e superficiais. E o próprio Godfrey expande esse ensinamento além. Sua própria família se dá conta de que é se investindo no trabalho que se reerguerá a nação, uma lição aos especuladores e políticos de todos os tempos.
Ainda que o discurso soe ultrapassado e datado, o filme é considerado como um dos ápices da comédia ligeira, graças as interpretações, aos diálogos saborosos e a precisão rítmica  da mise em scène. La Cava com esses 3 elementos conseguia reger um concerto em elevada interpretação desde o inicio até o fim.  As excentricidades da família e do protegido possuem uma ternura adocicada e desembocam em verdadeiros absurdos (pertinentes, mas absurdos). O diretor com uma elegância hoje esquecida coloca os personagens em situações pouco comuns: a biblioteca vira uma estrebaria, os jantares são regados a declamações de um protegido de madame sem talento algum, um verdadeiro chupim (Carlo - Misha Auer, O professor Boris Kolenkhov de “Do Mundo Nada Se Leva – indicado ao Oscar).As interpretações de todo o elenco cativam: Gail Patrick  cria uma Cornelia pretensiosa que não recua diante de nada; Carole Lombard, que tão bem sabia criar jovens caprichosas totalmente desconectadas da realidade, é uma comediante nata. Ela nos rouba deliciosos sorrir ao simular pesadamente um delíquio para punir o homem que nega seus avanços. Aliás foi o primeiro filme indicado em todas as categorias de atuação. Se eu fosse definir o estilo de La Cava diria que seria no tocante a temática social um Capra e pelos diálogos um Cukor (devido a acidez desses). Já a mise em scène e o timming dos diálogos  é uma mistura de Lubitsch e McCarey. Precisava conhecer mais obras suas. Somente vi essa. 

Agora se o restante for tão promissor quanto isso será muito bom. Lamentavelmente as cópias (DVD) que nos chegam são descuidadas. Uma pena já que a obra merecia um maior carinho. Talvez também melhor seria se tivéssemos adotado o título dado em Portugal: Doidos Milionários. Tem muito mais a ver que o usado no Brasil.

Nota: 8,0/10,0



Crítica: Cupido É Moleque Teimoso (1937)


Por Conde Fouá

Sempre que lia assuntos relacionados ao cinema e ao gênero comédia e se citavam obras pertencentes a tal, vezes várias me deparava com esse filme de Leo McCarey nomeado. Só o assisti agora (23/12/08), na madrugada, pela TV fechada. Não aprecio muito conhecer um filme através da tela pequena. Contudo, fazia pelo menos uns quinze anos que o pretendia assistir e nunca me deparei com ele em cartaz no circuito alternativo. Estava com tempo, estava sem sono e no dia seguinte estava de folga. Tudo se ajustou e finquei-me no sofá. O filme em si é difícil de comentar. Só o vi uma vez e me deu aquela sensação de que ficou aquém do esperado. Optei por só escrever agora, que o filme já se distanciou do impacto que senti naquela madrugada. Eis algumas das “impressões” causadas:

1 – Trata-se de um tema por demais filmado. Uma comédia sobre a reconciliação, quando a separação já se fazia iminente. Contudo esse déjà vu não deve ser considerado uma fraqueza da obra. Ao contrário, trata-se de entrar em contato com o original. O filme de MacCarey deve ser reconhecido com o primeiro e perfeito iniciador dos códigos e regras que seria copiados e utilizados até o esgotamento por seus seguidores.


2 – O filme se ancora sobre diálogos saborosos e inspirados. Os atores estão soltos e percebe-se que o improviso surgiu várias vezes: explorou-se aquilo que se chama comédia de situação. A graça não decorre somente do inspirado roteiro, nasce também do improviso e surge várias vezes de gestos e olhares próprios do cinema mudo. 


3 – Um casal que se ama e se digladia como cão e gato até a reconciliação ou entrega ao sentimento que os afeta é tema recorrente. Poderíamos citar dezenas rapidamente. Cito apenas duas películas: “Aconteceu naquela noite” e “A garota do adeus”. Contudo credito a McCarey nesse filme uma das sequências mais inspiradas que já vi. Quando Jerry reencontra sua mulher numa danceteria, ela está acompanhada de um cavalheiro que ele já avistara (Dan Leeson – um ingênuo recém saído de Oklahoma que deve obediência a mamãe). Ele está acompanhado de uma dançarina com aspirações a cantora. Os casais dividem uma mesa e tanto ele (Jerry) quanto ela (Lucy) ao olharem para os novos parceiros, tem a certeza que nenhum dos dois podem se ombrear ao antigo. Só que dar o braço a torcer está fora de questão, além do que o filme ali se findaria. Assistiremos a um show, onde cada qual vê o novo escolhido se esboroar diante dos olhos satisfeito do outro (Curioso... é o segundo filme que vejo de Ralph Bellamy em sua juventude e o papel se assemelha. Dan Leeson parece-me uma cópia fiel de Bruce Baldwin de “Jejum de amor” (ou vice-versa).



4 – O filme parece crescer de ritmo, a medida em que as gags diminuem. De qualquer forma quase no seu final, surgem duas cenas que marcam visualmente. O casal que ganha uma carona dos policiais, nada mais cômico, não carece de nenhum diálogo que reforce o riso que nasce espontâneo ao assistirmos o ridículo da situação. A outra é que dará término ao filme. Trata-se de variações sobre uma mesma gag. Alguns dirão que tal não funciona mais. Será? Talvez seja longa demais, mas não seria justamente essa sensação de não término que faça com que estampemos um largo sorriso com a tomada final (o relógio)? Não descreverei o que ocorre, a fim de não estragar a surpresa para aquele que se dignar a conhecer a obra.

Décadas após seu surgimento nas telas, o filme ainda mostra um vigor e é ainda uma referência para os novos cineastas. Tal não é pouco e merece nossa admiração. Afinal estamos diante do “original”. E esse original foi bem realizado. 


Escrito em 24/12/2008


Nota: 8,0/10,0

segunda-feira, julho 28

Crítica: Gattaca - A Experiência Genética (1997)



Por Conde Fouá

“Num futuro próximo o avanço da genética divide a humanidade socialmente em duas: No andar de baixo aqueles que foram concebidos de acordo com as leis da natureza hoje em voga (os não válidos), no andar superior aqueles que foram concebidos de acordo com a manipulação genética (interferência do homem na criação). Os válidos passam a ocupar os lugares de excelência na sociedade futura, postos que devido as responsabilidades que deles emanam, não devem ser de responsabilidades dos calvos, frágeis, míopes, astigmáticos, etc. Vincent que foi concebido não se valendo do avanço científico, não aceita isso. É um indivíduo que almeja além do que está ao conhecimento do homem. Sonha em ir ao espaço explorar o desconhecido. Para isso ele se faz passar por um válido, que ao ter inutilizada suas pernas, passa a lhe fornecer material humano que o possibilita ludibriar a segurança e ser aceito funcionário em Gattaca (uma espécie de NASA). No entanto quando ele esta próximo de atingir seu objetivo, um assassinato é cometido e ele corre o risco de ser desmascarado....” 

Revisto hoje a impressão deixada por Gattaca quando de sua chegada aos cinemas não se arrefeceu. É um belo filme, com um roteiro que levanta questões inerentes a humanidade; além de outras mais ligadas a arte cinematográfica. 

Quanto a primeira, imagine nosso mundo atual com o desenvolvimento de um maior conhecimento da Genética nós próximos, digamos, 60 anos. A genética é nos dias de hoje o ramo da ciência que mais nos vende a ilusão de ser o “elixir da longa vida ” ; “ a fonte tão procurada por Ponce de Leon ”, “o cálice sagrado ”. Pensamos que ao desvendar o código genético e o manipularmos, poderemos enfim, corrigir todos os defeitos da humanidade. Afinal, nosso corpo não se resume a 46 cromossomos? Nesse mundo futuro onde a Genética não possuirá mais de segredos para o homem, tornar-se-á algo de uso cotidiano. Assim não necessitaremos mais de documentos de identidade, afinal um fio de cabelo, uma pele morta, uma gota de suor, sangue ou de saliva bastará para nos identificar (por outro lado não poderemos ser reféns de regimes totalitários?).

Poderá realmente o DNA nos revelar desde o nascimento até o momento que partiremos para o túmulo? Poderá determinar o que cada um fará de sua vida? Não seremos então talvez, mais do que simples peças de um maquinário (algo já levantado em “Admirável mundo novo” de Aldous Huxley). Um indivíduo nessa época de transição poderia ser deslocado para os níveis mais baixos da camada social, simplesmente por não fazer parte dessa nova raça que surge. Naturalmente que o avanço das leis não permitiriam isso de modo oficial; mas o ser humano faria uso da tecnologia para driblar tais leis (bastaria um fio de cabelo ou um pouco de saliva para discriminar alguém).

Vincent Freeman é uma ser natural, concebido pelos seus pais, que tinham o desejo de dar a vida a um ser que pudesse buscar a sua felicidade. Posteriormente eles tem um outro filho (esse concebido de acordo com a nova “moda ”). O fato é que os pais também acabam manipulados por essa nova visão social. Eles o amam, mas crêem (são levados a isso) que o filho está destinado a funções subalternas nesse novo mundo. Temem que os sonhos que ele acalentava desde criança seja sua perdição. Sonhava em ir para o espaço e estudava para esse fim. Contudo foi-lhe dito que ele tinha predisposição a problemas cardíacos e não superaria os 30 anos (99% de possibilidade – Quem apostaria contra?). Ele então vai trabalhar na Gattaca como faxineiro. Tão perto e tão longe de seu sonho. Lá ele observa através dos vidros que mantém perfeitamente limpos as partidas das espaçonaves. Ah... se fosse apenas esse vidro que o separasse de seu sonho. Ah... se ele fosse dotado de um QI menor. Ah... Isso o fez lembrar que superara uma vez o irmão, indo contra todos os prognósticos. Não dotaria sua existência de sentido, o poder novamente ir contra todos os prognósticos? A oportunidade surgirá quando ele resolve virar um pirata genético. Surge a sua frente um indivíduo que lhe é semelhante. E o acaso faz com que os interesses de ambos se coadunem. Ele passa a usar do DNA produzido diariamente pelo outro e se mascara. Tem-se início a batalha de um homem contra um sistema injusto.



Gattaca não é um filme que faz parte da série “veja e esqueça”. O cenário é sóbrio, sem rococós. Afinal, Gattaca é um mundo onde a perfeição ali vive. Mundo extremamente limpo, insistentemente limpo para que nenhum traço de inferioridade ali se aloje. O filme não nos conduz ao repouso. A sua ação ocorre no interesse que ele desperta, nas questões que ele conduz e responde, ainda que de maneira indireta: é justo fazermos o papel de deuses ? Temos capacidade moral para tal? Não transformaremos o conhecimento superior em instrumento para justificar nossa mesquinhez? Questões de ordens éticas que nos conduzem a não concordar com a ordem vigente que impera nesse futuro. A forma pertinaz com que Vincent esconde seu DNA nos surpreende. Assim a sua luta é vencer a ordem estamental que vigorará daqui a pouco. Os personagens que surgem a tela nos fascinam. Fascinam-nos por que sabemos que paulatinamente todos eles irão fazer uso da razão e não podem aceitar assim o script a que foram sujeitados. Vincent é o elemento de modificar desses indivíduos: Jerome de maneira paulatina aprende a respeitar e admirar Vincent, pessoa que a princípio menosprezava. O mesmo se dá com a personagem Irene (uma sobriamente linda Uma Thurman) que de início faz uso dos recursos que a genética possibilita para conhecer Vincent e que aprende com esse, que tudo isso é apenas um detalhe superficial. A cena do fio de cabelo que ele “perde” a encanta e a nós. O irmão de Vincent também se curvará a verdade, mas tal será mais difícil. O mais surpreendente foi a atitude de Lamar (Xander Berkeley). Sendo o responsável científico pela ordem vigente dentro de GATTACA, vemos que foi o primeiro a perceber que o que importava eram os resultados práticos de cada um, não a potencialidade genética (que poderia ou não ser explorada pelo indívíduo). A questão que mais perturba, no entanto caberá a cada um meditar : O corpo é comandado por algo que é independente da vontade da ciência ou dos outros? Algo que possui livre arbítrio e que nunca poderá ser enclausurado pelos limites que nos cerca?
 
Do ponto de vista cinematográfico o filme se repousa sobre algo que parecia destinado a ser esquecido pelos novos cineastas: São os atores que fazem o filme. Os efeitos especiais servem aos atores, não estes a eles. A imagem alterna-se entre planos frios ligeiramente azulados e outros quentes e dourados. A imagem também não serve a querer desviar a atenção da história. Ela está inserida de maneira sóbria a fim de compor o todo que surge nas telas. A trilha sonora também se junge de maneira eficiente a obra. 
Ainda acho que o filme necessita de que o crítico maior de qualquer obra possa referendar definitivamente sobre ele. Trata-se de uma obra futurista. Essas obras, mais do que as outras, tem no Tempo um juiz severo. “Farhenheit 451” de François Truffaut ainda instiga, mas o cenário e a fotografia soam ultrapassados. Será que a obra de Niccol daqui a 30 anos também não sofrerá de tal mal? Dentro em breve saberemos.

Escrito em 15/06/2008

Nota: 8,0/10,0