segunda-feira, novembro 24

Crítica: Boyhood - Da Infância à Juventude (2014)


Por Maurício Owada
"O desenvolvimento natural do tempo
na diegese cinematográfica de forma nunca vista"

O tempo sempre foi um elemento importante no cinema e principalmente, um elemento que muitas vezes deforma na diegese cinematográfica como recurso narrativo, sejam os flashbacks, os saltos temporais, entre tantas outras coisas para denotar a passagem ou a volta dele, dependendo do que o diretor quer contar. Richard Linklater nos agraciou com o retrato de como Celine e Jesse (Julie Delpy e Ethan Hawke, respectivamente) se conheceram, se reencontraram e se juntaram na trilogia Antes..., mostrando em dois intervalos de nove anos. a vida do casal que se apaixonam jovens, amadurecem e depois demonstram os sinais de rugas da vida, tendo que lidar com conflitos internos e obstáculos do cotidiano.

Com um costume de filmar em segredo, Linklater escondeu durante doze anos, a filmagem da história de um garoto até a sua puberdade, atingindo a maioridade. Ellar Coltrane foi o escolhido pelo cineasta para viver Mason durante todo esse tempo, envelhecendo junto com seu personagem e é nessa abordagem mais contemplativa e menos corrida do tempo que Linklater constrói de forma sublime, o crescimento de um rapaz que lida com pais divorciados, amores e o sonho de ser um fotógrafo. Mason amadurece diante dos nossos olhos em quase três horas de projeção numa naturalidade absurda e vai ser normal se apegar aos personagens imensamente, seja o pai irresponsável (Ethan Hawke), a mãe solteira (Patricia Arquette, uma das personagens que mais evolui e numa belíssima atuação) e as comuns brigas com sua irmã mais nova (Lorelei Linklater). Mas o cineasta não se prende à grande conquista de fazer um filme desse modo, seu roteiro é trabalhado de forma natural, os personagens envelhecem em nossos olhos não só fisicamente, mas também espiritualmente: Mason parte de um garotinho calado que assiste Dragon Ball Z e joga video game a um adolescente questionador e inquieto em busca da independência pessoal e uma conquista artística. Ou sua mãe, que apesar da personalidade totalmente diferente, seus conflitos são parecidos.

Richard Linklater é um tipo de cineasta de pouco holofote, tendo feito alguns filmes cultuados, seus filmes não chegam ao auge extraordinário de popular, como seus colegas de geração, mas sempre foi um diretor ousado que trabalha com a linguagem e com os elementos cinematográficos de modo simples, mas sempre criativo. Seus filmes permeia a sétima arte através de sua filosofia, agregando aos personagens uma profundidade que não tem a pretensão de dar a grande catarse, mas de apenas retratar a vida. É assim que Boyhood funciona. Cada fase da vida flui de forma incrivelmente natural graças a uma montagem brilhante, levando em conta a sua total linearidade e mesmo tendo o mesmo tipo de abordagem da Trilogia do Antes, a sua montagem se diferencia por exigir cortes maiores da vida de Mason, enquanto a trilogia investia nos planos longos e planos-sequências das conversas do casal. Mas a sensação de intimidade entre público e personagem é algo que Linklater trabalha com proeza, com diálogos bem construídos, cheios de referência pop, que serve de amuleto ao público para a localização temporal e apesar de ser um drama, o texto é leve quando lida com as eleições presidenciais que culminariam na vitória de Barack Obama (felizmente, um detalhe da trama que não é spoiler numa crítica... "risos") de forma bem humorada, mas não menos real com o que houve. 

Boyhood - Da Infância à Juventude (Boyhood) é um filme que não dá pra explicar muito. Richard Linklater encontra grandeza no cotidiano da vida, nos nossos problemas pessoais, nas nossas frustrações e desejos, graças a sensibilidade do cineasta. A trilha-sonora também sai do lugar comum, misturando clássicos contemporâneos do rock e do folk, junto com hits mais pops. Não é sempre, ainda mais hoje, que um cineasta lança uma obra-prima do cinema, não só em seu conceito, mas como filme em si. 

Nota: 10,0/10,0




Trailer:

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