domingo, maio 25

Crítica: Godzilla (2014)


Por Maurício Owada

"Com uma ótima direção, Godzilla foge do padrão dos filmes de monstros gigantes
em Hollywood, mas não foge de problemas sérios de narrativa"

Godzilla, de 1954, foi uma obra de sucesso em seu país e se transformou parte da cultura pop (um termo ainda jovem) e se transformou numa franquia rentável, rendendo diversos filmes que Ishiro Honda ainda dirigiria, com batalhas do monstro contra King Kong (?), Mothra (a mariposa gigante), entre outros. Além de uma remontagem americana com cenas do filme original e a desastrosa bomba de Roland Emmerich, o temor pelo remake de Gareth Edwards e a expectativa pelas cenas que saiam na Internet criou toda uma propaganda espetacular em torno do filme e o filme cumpriu seu maior objetivo: o respeito pel legado de Godzilla de Ishiro Honda, até mesmo alguns filmes posteriores, tirando os roteiros das outras que inventavam versões robóticas e espaciais do Godzilla, caindo cada vez mais em ideias absurdas.

Com os créditos iniciais bastante interessantes, mostrando uma trilha-sonora maravilhosa de Alexandre Desplat, o que vemos a seguir é uma narrativa frouxa com momentos de pura beleza, como a queda dos paraquedistas militares rumo a uma nebulosidade obscura ao som de Ligeti, o rumo ao desconhecido, ao temeroso, que logo se esvai no retorno da narrativa risível. O roteiro tem problemas de criação de personagens, ainda mais lidando com um elenco de peso, como Juliette Binoche, Bryan Cranston e Ken Watanabe, atores reconhecidos pela dramaticidade em papéis fortes e ainda que digam que o filme é do Godzilla, a trama dos humanos era uma base da narrativa do primeiro filme japonês ou pelo menos, os dilemas deles que traziam uma crítica ao armamentismo. Mas há ideias interessantes e Godzilla poderia ser considerado um remake senão tivesse o filme de 1954 na sua linha narrativa (há uma menção sutil e um Ken Watanabe falando 'Gojira' do velho jeito), o que torna ele mais palpável em outros termos, criando todo um histórico do conhecimento dos países de grande porte sobre os MUTO, as criaturas gigantes que surgem e desaparecem cidades em batalhas por supremacia animal.

Se o roteiro deixa a desejar de forma, pelo menos percebe-se uma direção empenhada nos bons e velhos filmes de monstro, um esforço que demonstra um talento para construção de cenas de suspense, quando um trem aparece na nebulosidade pegando fogo, após sons emudecidos de grito e desespero após bater de frente com uma das criaturas (ops... sim, não temos apenas o Godzilla aqui).

Mas algumas coisas se sabotam e o modo como Godzilla é mostrado no filme, muitas vezes, apenas os pés, enquanto prédios são destruídos - numa reconstrução da destruição de cidades que torna a direção de arte impecável, aliada a uma direção de fotografia acinzentada, que remete às cinzas do fogo - seria genial se apenas houvesse o Godzilla, como uma ameaça que pessoas veem apenas partes pequenas de um monstro gigantesco cuja escala é tremenda e é enfatizada por tomadas inspiradas e pela presença de terremotos e tsunami, mas a aparição maior de outros monstros que intercala com dramas humanos que pouco nos importamos, deixa o monstro que todos queriam ver em segundo plano, mas sua presença sempre é feita de forma inteligente e nos remete a direção de Spielberg em Jurassic Park, Tubarão e até o subestimado Guerra dos Mundos, como um mistério.

Mas então, Godzilla é ruim? Não. Pelo menos algumas escolhas do diretor assumem uma mão autoral bastante acertada que o engrandecem, o problema fica num roteiro que mesmo com tratamentos diversos, faltou sustância, mas que se sustenta na boa construção do suspense e na composição das cenas bastante requintada para um gênero tão saturado e apelativo, não fugindo para alívios cômicos. Que venha Godzilla 2, do Gareth Edwards.

Nota: 7,0/10,0




Trailer:

quinta-feira, maio 15

Crítica: Godzilla (1954)


Por Maurício Owada

"A personificação do medo das armas de destruição em massa,
e o início de um gênero comercial"

Ishiro Honda ficou conhecido por dirigir muitos filmes de ficção-científica e horror em plenos anos 50 no Japão, quando ocorreu o boom econômico que alavancou o país quando fazia nem uma década que havia sido devastado pelas bombas atômicas de Hiroshima e Nagazaki e saía quebrado após seu exército ter sido praticamente massacrado pelos adversários, saindo derrotado da Segunda Guerra Mundial. A cultura japonesa popular que conhecemos hoje começou a se formar naquela época, criando obras icônicas, como o Osamu Tezuka, pioneiro do mangá e do anime com Astro Boy e nessa época, a tecnologia japonesa começava a criar forma com jovens brilhantes fazendo a sua própria e na parte de cinema, tínhamos a vanguarda e os diretores renomados, como Akira Kurosawa, Yasujiro Ozu, Kenji Mizoguchi, Masaki Kobayashi, entre outros. Entre eles, surgiram alguns que foram pioneiros em gêneros próprios, como Ishiro Honda, que popularizou os filmes de kaiju (monstros gigantes) e tokusatsu (filmes de efeitos-especiais), junto com Eiji Tsuburaya, responsável pelos efeitos-especiais que levou adiante o gênero tokusatsu com a franquia Ultraman, que gerou séries e filmes.

Juntos, Ishiro Honda e Eiji Tsuburaya, através de um roteiro que explorava os medos do desconhecido e do conhecido do povo japonês, misturando uma lenda regional a beira-mar com a realidade da radiação ainda recente, o filme Godzilla, uma criatura aparentemente folclórica, que vivia nas profundezas do mar que sofre uma mutação e sai das águas, destruindo tudo o que vê pela frente, foi um marco do cinema japonês. Um dos grandes êxitos do roteiro é os diversos pontos de vista em um filme que explora a destruição de cidades através das pegadas gigantes e do raio que sai pela sua boca, que incendeia tudo. Utilizando de técnicas práticas, consideravelmente inovadoras, o filme mantém a magnitude do monstro, ainda que percebemos que é um homem dentro de um boneco encenando em uma cidade de maquete, é a abordagem sombria e fúnebre no impacto do monstro em cima do povo japonês que o filme sucinta reflexões em cima do poderio bélico imperialista, quando os EUA havia feito testes atômicos no Pacífico, quando ocupou o território japonês após a guerra, a partir do Mar do Japão. É a consequência imaginada, de uma forma ampla em diversas questões, temos dilemas de personagens principais como o cientista que não quer matar o monstro como uma forma de estudar uma nova espécie, o jovem marinheiro que destruir o monstro pra evitar mais mortes (e ambos entram em conflito pelo rapaz ser o futuro genro do cientista). Além de outro cientista, que perdeu um olho na guerra e testa uma nova arma, o Destruidor de Oxigênio, cuja capacidade de destruição leva ele a temer que tal arma caia em mãos erradas.

As tramas envoltas do perigo que aquele réptil gigante representa, torna um filme cheio de efeitos especiais em um filme mais humano, um acerto de mestre de Ishiro Honda, que deve ter aprendido com o diretor do qual foi assistente, Akira Kurosawa. É esse tipo de abordagem que foi utilizada por outros grandes diretores como Spielberg em Tubarão, O Nevoeiro, de Frank Darabont, que é o humano confrontado com aquilo que não conhece. Infelizmente, esse aprofundamento narrativo é muitas vezes, ignorado por blockbusters de hoje, que se perdem na pirotecnia e se esquecem que quem faz o filme é a história e os atores, ainda que seja plausível a utilização de CG, ignorar todo o resto afim de proporcionar um show digital de imagens pasteuriza todo a experiência que o cinema pode proporcionar, tira o encanto que tínhamos com cenas, que muitas vezes, nos fazem pensar como deve ser feito, além de que a utilização bem feita de computação gráfica entrega uma obra mais visualmente orgânica - nada parece falso - e não só pela limitação técnica, alguns diretores preferem o uso de maquiagens e efeitos práticos como contribuição para a estética. O uso excessivo e massante do CG hoje em dia não só torna o visual do filme mais "falso", como ainda impede uma revolução na forma de fazer filmes nesse campo, coisa que poucos diretores se arriscam em fazer, como a franquia cinematográfica de J.R.R. Tolkien dirigida por Peter Jackson.

Tão importante para o cinema japonês, quanto para o cinema mundial, que o levou a três remakes, um sem-vergonha (utilizou de cenas originais com um ator americano em outras partes, criando uma outra história), outra vergonhosa (com alívios cômicos e uma descaracterização tremendamente desrespeitosa com o espírito do filme) e outra com Gareth Edwards, um diretor novato que faz seu segundo longa e seu primeiro grande filme e ele promete manter o espírito e trazer um bom cinema blockbuster, que respeite o longa original (aliás, o filme de 1954 fará parte da narrativa do "remake", conforme trailers). No fim, apesar de ter virado uma franquia para entretenimento, o primeiro Godzilla (Gojira) é um filme luto, pesado, triste e cujo final é digno de reflexão, aonde o sacrifício é necessário para que se evite mais mortes e tragédias.

Nota: 8,0/10,0




Trailer:

quinta-feira, maio 1

Crítica: Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (2014)


Por Maurício Owada

"O olhar sensível de Daniel Ribeiro às descobertas 
do jovem Leonardo, com uma simplicidade que poucos conseguem ter"

Um dia tedioso na beira da piscina, dois corpos estão juntos, deitados e seminus, apenas com a roupa de banho, trocam segredos e jogam conversa fora, eis uma menina de biquini e sutiã de piscina e outro com sunga, mas não estão na mesma posição - no quadro inicial do filme Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, Leonardo (Guilherme Lobo) está deitado olhando o céu e acariciando a superfície da água em sentido vertical, enquanto Giovana (Tess Amorim) está em horizontal, deitada de barriga pra baixo. Ambos trocam ideias, entediados com a vida e com as férias longas e vazias. Todo o quadro inicial já revela uma abordagem comum, do cotidiano da vida do jovem cego, que sofre bullying por sua deficiência e posteriormente, uma certa diferença entre ambos que apenas resulte em uma amizade. Sem um forçação melodramática ou explícita, o filme idealizado do curta que veio a fazer sucesso na internet, postado no YouTube pelo próprio diretor (recomendável conferir tanto o curta Eu Quero Voltar Sozinho como o anterior, Café com Leite, disponível também na lista do Sessão Curta+).

Leonardo e Giovana são amigos inseparáveis que estão passando pela adolescência e com ela, vem suas descobertas, suas crises e a maturidade que pouco a pouco, vai sendo o motor das ações de Leonardo, que mesmo cego, busca uma independência para tomar rumo a uma vida que lhe foi privada e o principal personagem que dá um empurrão é Gabriel (Fabio Audi), novo aluno da escola que desperta novos sentimentos no garoto e dá uma desequilibrada na redoma de proteção que era a amizade e união com Giovana.

O apelo do diretor não é banalizar as diferentes formas de amor que a sociedade não aceita, mas sua abordagem simples e seu roteiro sem apelos dramáticos, não que isso tire a qualidade do filme, mas o torna singular em relação ao tema homossexual. O diferencial dele reside nos conflitos comuns a todo adolescente, é claro que o tratamento acerca das descobertas pessoais ficam mais enaltecidas quando Leonardo se descobre gay, mas vai além disso e o jovem experimenta novas sensações como ir ao cinema, madrugar para um eclipse lunar ou andar de bicicleta. E sem o excelente elenco, não seria possível uma jornada tão intimista, principalmente Guilherme, que já no curta, apresentava um talento não só por interpretar um cego, mas pela sensibilidade que ele adquiria em sua performance, não é nada caricato ou exagerado, são apenas detalhes pequenos que enriquecem a sua performance como o rosto afoito quando toca o rosto de Gabriel ou a desorientação quando Giovana o deixa falando sozinho. Já Gabriel empresta um pouco de mistério e quietude a um jovem ainda novo na escola, enquanto Giovana é maior aprofundada no longa, que desenvolve um complexo triângulo amoroso, a paixão por Leonardo e a atração por Gabriel, que resulta em certa rejeição ou isolamento. 

Aprofundando o mundo em volta de Leonardo, a história é ampliada, não apenas esticada como muitos erram em fazer, o diretor e roteirista Daniel Ribeiro toma liberdade em relação ao curta, não segue nenhuma cartilha, apenas expande a trama e como dito acima, desenvolve melhor os seus personagens. 

Com uma simplicidade única, acho que falar mais alguma coisa em relação ao filme é talvez falar demais, já que pela beleza e leveza da trama, agraciado por um trilha-sonora encantadora (destaque para There's Too Much Love, de Belle & Sebastian) ela encante as pessoas por tratar de um tema tão comum, que é o amor, como ele se gera de forma que a gente nem imagina e que sensações ela proporciona, e isso não precisa ser homossexual para saber disso... e muito menos cego.

Nota: 8,5/10,0




Trailer: