segunda-feira, julho 28

Crítica: Gattaca - A Experiência Genética (1997)



Por Conde Fouá

“Num futuro próximo o avanço da genética divide a humanidade socialmente em duas: No andar de baixo aqueles que foram concebidos de acordo com as leis da natureza hoje em voga (os não válidos), no andar superior aqueles que foram concebidos de acordo com a manipulação genética (interferência do homem na criação). Os válidos passam a ocupar os lugares de excelência na sociedade futura, postos que devido as responsabilidades que deles emanam, não devem ser de responsabilidades dos calvos, frágeis, míopes, astigmáticos, etc. Vincent que foi concebido não se valendo do avanço científico, não aceita isso. É um indivíduo que almeja além do que está ao conhecimento do homem. Sonha em ir ao espaço explorar o desconhecido. Para isso ele se faz passar por um válido, que ao ter inutilizada suas pernas, passa a lhe fornecer material humano que o possibilita ludibriar a segurança e ser aceito funcionário em Gattaca (uma espécie de NASA). No entanto quando ele esta próximo de atingir seu objetivo, um assassinato é cometido e ele corre o risco de ser desmascarado....” 

Revisto hoje a impressão deixada por Gattaca quando de sua chegada aos cinemas não se arrefeceu. É um belo filme, com um roteiro que levanta questões inerentes a humanidade; além de outras mais ligadas a arte cinematográfica. 

Quanto a primeira, imagine nosso mundo atual com o desenvolvimento de um maior conhecimento da Genética nós próximos, digamos, 60 anos. A genética é nos dias de hoje o ramo da ciência que mais nos vende a ilusão de ser o “elixir da longa vida ” ; “ a fonte tão procurada por Ponce de Leon ”, “o cálice sagrado ”. Pensamos que ao desvendar o código genético e o manipularmos, poderemos enfim, corrigir todos os defeitos da humanidade. Afinal, nosso corpo não se resume a 46 cromossomos? Nesse mundo futuro onde a Genética não possuirá mais de segredos para o homem, tornar-se-á algo de uso cotidiano. Assim não necessitaremos mais de documentos de identidade, afinal um fio de cabelo, uma pele morta, uma gota de suor, sangue ou de saliva bastará para nos identificar (por outro lado não poderemos ser reféns de regimes totalitários?).

Poderá realmente o DNA nos revelar desde o nascimento até o momento que partiremos para o túmulo? Poderá determinar o que cada um fará de sua vida? Não seremos então talvez, mais do que simples peças de um maquinário (algo já levantado em “Admirável mundo novo” de Aldous Huxley). Um indivíduo nessa época de transição poderia ser deslocado para os níveis mais baixos da camada social, simplesmente por não fazer parte dessa nova raça que surge. Naturalmente que o avanço das leis não permitiriam isso de modo oficial; mas o ser humano faria uso da tecnologia para driblar tais leis (bastaria um fio de cabelo ou um pouco de saliva para discriminar alguém).

Vincent Freeman é uma ser natural, concebido pelos seus pais, que tinham o desejo de dar a vida a um ser que pudesse buscar a sua felicidade. Posteriormente eles tem um outro filho (esse concebido de acordo com a nova “moda ”). O fato é que os pais também acabam manipulados por essa nova visão social. Eles o amam, mas crêem (são levados a isso) que o filho está destinado a funções subalternas nesse novo mundo. Temem que os sonhos que ele acalentava desde criança seja sua perdição. Sonhava em ir para o espaço e estudava para esse fim. Contudo foi-lhe dito que ele tinha predisposição a problemas cardíacos e não superaria os 30 anos (99% de possibilidade – Quem apostaria contra?). Ele então vai trabalhar na Gattaca como faxineiro. Tão perto e tão longe de seu sonho. Lá ele observa através dos vidros que mantém perfeitamente limpos as partidas das espaçonaves. Ah... se fosse apenas esse vidro que o separasse de seu sonho. Ah... se ele fosse dotado de um QI menor. Ah... Isso o fez lembrar que superara uma vez o irmão, indo contra todos os prognósticos. Não dotaria sua existência de sentido, o poder novamente ir contra todos os prognósticos? A oportunidade surgirá quando ele resolve virar um pirata genético. Surge a sua frente um indivíduo que lhe é semelhante. E o acaso faz com que os interesses de ambos se coadunem. Ele passa a usar do DNA produzido diariamente pelo outro e se mascara. Tem-se início a batalha de um homem contra um sistema injusto.



Gattaca não é um filme que faz parte da série “veja e esqueça”. O cenário é sóbrio, sem rococós. Afinal, Gattaca é um mundo onde a perfeição ali vive. Mundo extremamente limpo, insistentemente limpo para que nenhum traço de inferioridade ali se aloje. O filme não nos conduz ao repouso. A sua ação ocorre no interesse que ele desperta, nas questões que ele conduz e responde, ainda que de maneira indireta: é justo fazermos o papel de deuses ? Temos capacidade moral para tal? Não transformaremos o conhecimento superior em instrumento para justificar nossa mesquinhez? Questões de ordens éticas que nos conduzem a não concordar com a ordem vigente que impera nesse futuro. A forma pertinaz com que Vincent esconde seu DNA nos surpreende. Assim a sua luta é vencer a ordem estamental que vigorará daqui a pouco. Os personagens que surgem a tela nos fascinam. Fascinam-nos por que sabemos que paulatinamente todos eles irão fazer uso da razão e não podem aceitar assim o script a que foram sujeitados. Vincent é o elemento de modificar desses indivíduos: Jerome de maneira paulatina aprende a respeitar e admirar Vincent, pessoa que a princípio menosprezava. O mesmo se dá com a personagem Irene (uma sobriamente linda Uma Thurman) que de início faz uso dos recursos que a genética possibilita para conhecer Vincent e que aprende com esse, que tudo isso é apenas um detalhe superficial. A cena do fio de cabelo que ele “perde” a encanta e a nós. O irmão de Vincent também se curvará a verdade, mas tal será mais difícil. O mais surpreendente foi a atitude de Lamar (Xander Berkeley). Sendo o responsável científico pela ordem vigente dentro de GATTACA, vemos que foi o primeiro a perceber que o que importava eram os resultados práticos de cada um, não a potencialidade genética (que poderia ou não ser explorada pelo indívíduo). A questão que mais perturba, no entanto caberá a cada um meditar : O corpo é comandado por algo que é independente da vontade da ciência ou dos outros? Algo que possui livre arbítrio e que nunca poderá ser enclausurado pelos limites que nos cerca?
 
Do ponto de vista cinematográfico o filme se repousa sobre algo que parecia destinado a ser esquecido pelos novos cineastas: São os atores que fazem o filme. Os efeitos especiais servem aos atores, não estes a eles. A imagem alterna-se entre planos frios ligeiramente azulados e outros quentes e dourados. A imagem também não serve a querer desviar a atenção da história. Ela está inserida de maneira sóbria a fim de compor o todo que surge nas telas. A trilha sonora também se junge de maneira eficiente a obra. 
Ainda acho que o filme necessita de que o crítico maior de qualquer obra possa referendar definitivamente sobre ele. Trata-se de uma obra futurista. Essas obras, mais do que as outras, tem no Tempo um juiz severo. “Farhenheit 451” de François Truffaut ainda instiga, mas o cenário e a fotografia soam ultrapassados. Será que a obra de Niccol daqui a 30 anos também não sofrerá de tal mal? Dentro em breve saberemos.

Escrito em 15/06/2008

Nota: 8,0/10,0




3 comentários:

  1. ADOREI sua percepção sobre o filme!

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  2. Um filme futurista que aborda mais as questões sociais e surgiu na época do projeto genoma (1990-2005), tendo uma visão totalmente materialista e social. Um pobre que consegue por esforço próprio driblar o sistema. Claro que nada impediria que a classe mais baixa gerasse filhos talentosos a não ser que houvesse uma medida escusa da classe superior que procuraria sempre mantê-los abaixo, o que não duvido. Se tudo se resumisse da genética, como o filme propõe, poderia facilmente eliminar os talentosos de baixo, já que a elite supre e é suprema. Mas uma ilusão de hollywood para os pobres, como a maioria dos filmes deles, em que pessoas ricas interpretam pobres e os ricos nos filmes sempre são ou quase são maus e fúteis. Que ironia, tão vanguarda.

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  3. Amei sua interpretação do filme. Perfeita, profunda e completa. Obrigada!

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