quinta-feira, outubro 23

Crítica: O Lobo Atrás da Porta (2014)

Por Maurício Owada
 
"O horror cotidiano e banalizado em nossa sociedade"

Manchetes de jornais, notícias do dia-a-dia, o horror diário, as atrocidades banalizadas, a violência espetacularizada. Não é bem nesse tom que O Lobo Atrás da Porta imprime um ato horrendo que, hora ou outra, por motivos banais, surgem na tela da TV, embaladas pelas vozes de jornalistas sensacionalistas como um circo de horrores, aonde o principal foco é deixar o público enfurecido, assustado, indignado etc. Fernando Coimbra passa em tela alguns dos aspectos da sociedade que podemos caracterizar como doença, nisso se pode inserir diversos aspectos que saltam aos olhos do espectador de forma sutil, mesmo diante de uma história baseada em fatos, no caso, a Fera da Penha.

Atualizado para os dias de hoje, o filme reconstrói as ações de todas as personagens para entender o sumiço de uma garotinha, após ser buscada na creche por uma mulher estranha. Pouco a pouco, a trama se revela e apesar de ancorar no tom duro do seu final que remete um pouco ao cinema de Michael Haneke, o diretor e roteirista vai desenvolvendo o drama e em seu clímax, uma tensão que descamba para o horror final. O choque! Aquilo que lhe faz por a mão na boca, estarrecido, com os olhos arregalados... e não estamos falando de um filme de terror.

Problemas familiares, machismo e a representação do trem urbano como ponto de encontro entre Bernardo (Milhem Cortaz) e Rosa (Leandra Leal), um símbolo de casualidade, que chega cheio de atrações e perigos imprevisíveis, uma representação do escape cotidiano com os deveres do casamento, isso é impresso com uma segurança do diretor e uma câmera que se distancia ou se aproxima devagar de seus personagens, que concentra o drama em seus atores, mas com um olhar analítico. Oras, Coimbra utiliza dos personagens em primeiro plano, enquanto uma ação acontece ao fundo, fora de foco, pra remeter a sensação de distanciamento, solidão ou apatia.

Não só basta contar uma história do cotidiano, senão tiver diálogos primorosos e os do cineasta, beira a uma naturalidade absurda que parece improviso dos atores, além de uma estrutura narrativa sólida, que dá base para os atores construírem bem as situações. Se Milhem Cortaz e Fabíula Nascimento fazem um ótimo trabalho, como sempre em diversos filmes, Leandra Leal rouba a cena e as nuances exigidas para as suas transformações, decorrentes da instabilidade mental de sua personagem, são postas em prática de forma magnífica, ressaltando a beleza de seu olhar ou simplesmente, o puro ódio e rancor.

O Lobo Atrás da Porta demonstra uma capacidade enorme do cinema brasileiro para o cinema de gênero, apresenta um novo cineasta que promete muito ainda e repassa na tela, não a realidade das favelas, do sertão, como de princípio, se construiu o nosso cinema, mas a realidade nem tão sofrida, mas pouco poética dos subúrbios, dos simples eventos de paixões casuais, transas inconsequentes e famílias destruturadas que terminam de forma pouco empática e fatalista. Fernando Coimbra mostra tudo isso sem muito drama, sem julgamentos, sem espetacularização, sem discurso nenhum... só mostra e ainda assim, nos incomoda. E não somos postos a julgar.

Nota: 9,0/10,0



Trailer:

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