segunda-feira, junho 10

Crítica: Ken Park (2002)



Por Wendell Marcel

"As mazelas da vida privada".


O texto a seguir contém partes do filme, leia pondo sua conta em risco.

Igual como acontece com várias obras que "transgridem" as regras de exibição de imagens inapropriadas para certo tipos de espectadores (o que é estabelecido em todos os países uma faixa etária), Ken Park não foi exibido em muitos países (aqui no Brasil participou de alguns festivais), provocou discussões sérias sobre o limite da imagem cinematográfica e assustou muitos cinéfilos que imaginavam ser um filme diferente sim, mas não tão eloquente como se poderá observar. Em muitos cinemas, foi visto pela metade, enquanto o público saía das salas; os críticos se negavam a assistir e julgar uma obra tão repulsante.

Quatro amigos vivem numa pequena cidade da Califórnia, em Visalia. A introdução do primeiro ato é acompanhar o skatista Ken Park cometendo suicídio em plena praça da cidade, na frente de todo mundo. A história dele é desenvolvida no final do filme, sendo, claro, o ápice do enredo. Em seguida quatro amigos são apresentados ao público: Shawn vive um intenso relacionamento sexual às escondidas com a mãe de sua namorada; Tate é um jovem problemático que agride verbalmente seus avós e tem compulsão por masturbar-se amarrado pelo pescoço; Claude, apaixonado por skate, é criado por uma mãe que não abre os olhos de que o seu marido violenta e acusa o seu filho de ser homossexual; e a única garota do grupo, Peaches, finge ser inocente para o pai viúvo, fanático religioso, que lhe espanca depois de presenciar ela transando (ou tentando) com o namorado. A narrativa é não-linear, contando a história dos amigos e interligando os comentários feito por um suposto narrador.

O filme de Larry Clark (Kids, 1995 e Destricted, 2006) e Edward Lachman é um detentor de critérios além do que a imagem aparentemente possa oferecer. Muitas questões relativas a sexualidade, vida privada, drogas, alcoolismo, abuso, incesto, religião e instituições sociais falidas, dos jovens e dos pais, utilizam bem da imagem para fornecer novas formas de observar a realidade. Aliás, o filme colabora com isso: os atores são ótimos, a ação é levada com muita naturalidade e a história é contada subjetivamente, porém com intensidade e clareza. São dádivas da obra, falar de temas tão profundos e complexos da vida familiar, mas com tamanha competência de estudá-los mesmo que superficialmente (o filme é bem curto) boa parte do jantar de propostas.

A respeito da naturalidade, a palavra deve ser entendida em seu sentido original. São cenas de sexo explícito e orgãos genitais eretos à mostra. No caso da sequência que mostra Tate se masturbando no quarto, os espectadores são observadores, munidos por todos os ângulos e closes. É interessante por que não poderia ser diferente realizar um estudo tão competente da sociedade atual dos jovens (para a época, mas do presente), com seus problemas de violência e sexualidade, sem ver o verdadeiro cru da história. É um choque, sim! Mas necessário. O cinema suporta pênis e vaginas quando estes são "filosoficamente usados", e por eles utilizados como ferramentas de dar sentido e correr do filme.

Por esse motivo, Ken Park é um filme underground (que é repelido, insustentável, subordinado a não aparecer, diferente, que foge aos padrões culturais habituais) de qualidade e superior aos demais, já que é sincero em sua proposta, e por que não, é bem filmado. A qualidade deste cinema relembra outros bons títulos que fala do tema tão exposto e difícil de ser contado aos espectadores (Alpha Dog, 2006 e Elefante, 2003 e Precisamos Falar Sobre Kevin, 2011).

Os quatro jovens centrais da história, quando se reúnem conversam sobre todos os temas possíveis. No entanto, apesar dos quatro conversarem frequentemente, nenhum deles conhecem os problemas dos outros. O pai sexualmente instável e com emoções repelidas; a mãe gata insatisfeita com a vida de casada, encontrando no jovem namorado da filha consolo e atenção, além da nova experiência sexual; o garoto com problemas psiquiátricos que mata os avós a facadas enquanto eles dormem, por eles não saberem jogar o jogo dos pontos; o homem viúvo super-protetor que se aproveita emocionalmente da filha amargurada, esta liberando suas emoções reprimidas em orgias ménage à trois. Essa é a noção de entendimento que temos a observar a magnífica obra de Clark e Lachman: a sociedade está doente, e os nossos jovens estão sofrendo calados por isso. A evolução de um vírus que infecta a raiz e adoenta os adultos.

A ferida do nojo e da repulsa é tocada, incomodada nos espectadores, e aqueles que não tiverem estômago para assistir o que todos conhecem como verdade, vão propor análises falsas e hipócritas do filme, o que na verdade ele critica com sabedoria. A sociedade falsa, estranha, da falta de diálogos; a população que assiste em suas tv's a violência das grandes cidades, mas que fecham os olhos e tapam os ouvidos para as mazelas de suas famílias. A mazela da vida privada.

O Ken do início é a mesma vítima do Ken do final. Só que justificado, o que o torna mais ou menos justificável.

Nota: 8,5/10,0




Trailer:


2 comentários:

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