segunda-feira, junho 24

Crítica: Dentro da Casa (2012)


Por Maurício Owada

"Uma aula de narrativa da relação do espectador e autor"

Desde que Flaubert instaurou o Realismo na literatura com seu polêmico romance Madame Bovary, nunca mais a intimidade das pessoas foram vistas com os mesmos olhos. Com seu olhar irônico, ele derrubava todos os velhos valores da burguesia através da história de uma dona de casa entediada que encontra no adultério, o refúgio de seus desejos mais reprimidos pelas convenções impostas pela sociedade. Já no século XX, Alfred Hitchcock fez uma de suas maiores obras-primas: Janela Indiscreta (Rear Window, 1954), um fotógrafo que vive perigosamente que fica paralisado por causa da perna quebrada e com suas grandes lentes, espia a vizinhança até o momento em que “percebe” que uma mulher poderia ter sido assassinada pelo marido.

Em Dentro da Casa (Dans la Maison), o filme conta a história de Germain (Fabrice Luchini), um professor de francês cansado da rotina e que reclama constantemente, até que corrigindo algumas redações sobre o fim de semana de cada aluno, uma delas escrita pelo aluno Claude Garcia (Ernst Umhauer), conta sobre sua passagem na casa de um amigo chamado Rafa e as impressões sobre sua família, se adentrando na intimidade daquela família de classe-média, deixando um (continua...) no final. A partir dali, o professor de literatura se torna um leitor ávido, que pouco a pouco começa a se envolver diretamente naquela estória que era descrita de texto em texto, simplesmente para continuar a ler.

Baseado na peça de Juan Mayorga, o modo como François Ozon trabalha com a metalinguagem é de uma sutilidade e criatividade sem igual, ao mesmo tempo em que ele expõe aquela ficção/realidade escrita como um folhetim por Claude, é interessante o modo como brinca com o espectador e deixa em dúvida até onde aquilo é verdade ou fictício; enquanto que Germain é apenas o espectador, passivo perante os acontecimentos da casa narrados pelo seu pupilo a escritor. Temos apenas o olhar distante, mesmo que invasivo (olhar pelo buraco da fechadura), e deixa claro em uma passagem quando Germain e sua esposa Jeanne (Kristin Scott Thomas, linda em uma atuação excelente e minimalista) estão no cinema e a câmera foca a luz do projetor e corta para a estória contada em off por Claude.

Assim como ele lida a relação do espectador/obra/autor como uma análise para o cinema, não faltam menções a literatura, de autores como La Fontaine e principalmente Gustave Flaubert, e quem já leu Madame Bovary (tanto a obra quanto sobre ela) perceberá semelhanças com os textos escritos por Claude, em episódios (assim como Flaubert fez com sua obra antes de lança-la em livro), em uma trama que envolve a esposa entediada com a rotina que flerta com um rapaz mais jovem, “personagens” com desejos reprimidos e frustrados em questões demasiadamente particulares, por trás da fachada de uma família feliz e normal, através de um olhar intimista, porém sarcástica e em certos momentos, até cruel.

Fabrice Luchini e Ernst Umhauer estão espetaculares como o espectador/mentor e autor/aluno, e torna crível esta relação onde há uma troca mútua de conhecimentos, onde deixa explícito algumas passagens que permeiam a visão de Claude de sua leitura daquela típica família burguesa, mas para o espectador em si, nós somos os alunos e espectadores de uma fantástica aula de cinema e narrativa.

No fim, François Ozon fecha as cortinas para aquela história, onde se chega a um desfecho e seus personagens tem os seus conflitos resolvidos e seguem seus rumos, mas deixa aberto para cada um que assiste uma casa para contar sua própria história.

Nota: 10/10





Trailer:

3 comentários:

  1. Filme absolutamente brilhante. Ozon em grande forma.

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  2. Vou nem dizer que fiquei curiosíssimo para ver!

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  3. Acabei de ver!!!! Fantástico demais como Ozon narra seus personagens, cria uma atmosfera que nega todas as possibilidades criadas antes.

    Que ano foi esse de 2012, para o cinema hein!!! Queremos mais !

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