sexta-feira, junho 7

Crítica: Antes do Amanhecer (1995)



Por Kaio Feliphe

“Amar está nos pequenos detalhes.”

Amour, Liebe, Love, Amore, Grá, Diliges, αγάπη, ラブ, Kjærlighet...

Palavras estranhas, não? Bem, se você fala algum idioma além do português, deve saber o significado de algumas delas. Ou melhor, dela. Sim, todas elas expressam a mesma coisa, ou tentam, pelo menos, já que uma coisa tão complexa não pode ser expressa em poucas letras. Estamos falando do Amor.

Desde o início dos tempos, o ser humano tenta ilustrar esse sentimento tão natural e selvagem de todos os seres vivos pensantes do planeta. Alguns dizem que amar é se declarar de modo mirabolante a alguém, é gastar rios de dinheiro em presentes; feito por duas pessoas perfeitas que, num estalar de dedos, estão profundamente apaixonados um pelo outro.

Mas amar não é isso. Amar está nos pequenos detalhes. Está em conversar durante horas e horas sobre absolutamente nada e não ver o tempo passar; está em sorrir para a pessoa e ter o seu sorriso retribuído; está quando você apenas contempla os simples movimentos, como uma ajeitada no cabelo ou coisa parecida; e está quando você simplesmente tem vontade de fazer e faz algo que nunca passaria por sua cabeça.

E é exatamente isso que acontece em Antes do Amanhecer (Before Sunrise, 1995). Dois jovens que nunca se viram na vida, Jesse (Ethan Hawke) e Céline (Julie Delpy), começam a conversar em um trem no meio de uma viagem pela Europa. Conversa vai, conversa vem, os dois vão se conhecendo, vão se dando bem e, como num piscar de olhos, uma ideia louca surge no meio do papo.

“Jesse: Ok, acabei de ter uma ideia completamente maluca, mas se eu não te perguntar, isso vai me assombrar pro resto da minha vida.

Céline: O que?

Jesse: Hm... Eu quero continuar falando com você, sabe? Eu não tenho a mínima ideia da sua situação atual, mas eu sinto que a gente tem um tipo de conexão. Certo?

Céline: É, também acho.

Jesse: É, legal. Então, o negócio é o seguinte. Isso é o que a gente devia fazer. Você devia descer desse trem comigo aqui em Viena e dar um passeio pela cidade.

Céline: O quê?!

Jesse: Vamos lá. Vai ser divertido.”

Agora ponha-se no lugar dela. Você iria? É uma pergunta difícil de se responder, já que agora você tem todo o tempo do mundo para responder, mas no calor do momento, você realmente gostou da outra pessoa, é uma oferta tentadora. Mas, mesmo assim, Céline estava indecisa, já que era um cara totalmente estranho que ela tinha conhecido há poucos minutos, porém Jesse a fez uma proposta que ela não poderia recusar (piadinha cinéfila).

“- Imagine daqui a 10 ou 20 anos, você já casada, só que seu casamento já perdeu aquele encanto. Começa a culpar seu marido. Começa a pensar em todos os homens que conheceu e o que teria acontecido se tivesse se casado com um deles. Eu sou um deles. Veja isso como uma viagem no tempo. Do futuro ao passado. Assim você veria o que teria perdido. Seria um grande favor para você e para seu futuro marido, perceber que não perdeu nada, pois eu também sou um idiota. E você verá que fez a escolha certa e está feliz”.

Céline aceita e, a partir daqui, os dois vão se aventurar em uma das mais belas e mais bem contadas fábulas de amor do Cinema.

Olhando superficialmente, parece uma história bem simplória, boba até. Dois jovens vagam pela cidade durante a noite e se apaixonam. Mas não é assim que o amor surge? Das situações mais banais que se pode imaginar? Na verdade, esse é o ponto forte do filme, a “banalidade”. A simplicidade de tudo. Desde o roteiro cheio de conversas sobre nada até a direção básica e perfeita, ambos de Richard Linklater, grande cineasta independente dos anos 1990.

Um momento que me vem à cabeça ao falar da direção de Linklater é o primeiro beijo do casal na roda gigante. A decisão mais fácil seria mexer a câmera de várias maneiras, ou fazer um plano panorâmico dos dois, com o pôr-do-sol ao fundo e uma música melosa tocando. Mas a decisão do diretor foi a mais perfeita possível, um close no beijo do casal. Só. Sem música, sem movimentação ou corte de câmera. Apenas o beijo. São nesses pequenos momentos que o filme se diferencia dos demais.

E, claro. Não se pode deixar de falar da atuação dos, praticamente, únicos atores do filme. Ethan Hawke e Julie Delpy. Hawke é o jovem outlaw, sem responsabilidade, sem rumo; características que lembram James Dean em Rebelde Sem Causa (Rebel Without a Cause, 1955). E Julie é a menina doce, insegura, paranóica e, ao mesmo tempo, normal. Aliás, a aparência de Delpy casa muito bem com a personagem. A atriz não tem uma beleza estonteante que deixa qualquer um de boca aberta, longe disso. Delpy tem uma beleza, de certa maneira, comum, mas apaixonante. É impossível não se sentir cativado por ela.

Essas duas personalidades se juntam de uma maneira perfeita. São como duas peças de quebra-cabeça que se encaixam e, se fossem diferentes, não se ajustariam do mesmo jeito.

Mas o que parecia perfeito encontrou o seu invencível vilão: o tempo. A noite mágica tinha acabado e era hora de dizer adeus. Os prantos da despedida na estação são duros, amargos. E não só pra eles, mas para os espectadores também. É difícil ver um amor tão puro, que vimos nascer, simplesmente acabar. Ou não, já que os dois decidem se reencontrarem no mesmo local seis meses depois. Mas será que eles arriscariam mais uma noite? Será que se reencontrar não acabaria com o encanto dessa bela noite de 1995? Essas perguntas ficam sem resposta (pelo menos nesse filme), mas nada nos impede de imaginar.

Linklater matou a charada. Viu que o amor está nos pequenos detalhes. E mais que isso, escreveu e filmou de uma maneira que capte tudo isso. Com certeza, Antes do Amanhecer está entre os melhores filmes da década de 1990 e, por que não, entre os melhores romances da história.

Nota: 8.5/10.0




Trailer:

Um comentário:

  1. Excelente sua critica, eu adoro esse filme e tenho um carinho enorme por ele, sem dúvida um dos melhores filmes do ultimos 20 anos e o melhor do seu gênero com toda a certeza, uma obra prima profunda e reflexiva...Abraço..

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