domingo, julho 14

Crítica: O Poderoso Chefão (1972)


Por Maurício Owada


"O clássico dos clássicos"

(ALERTA de spoiler no primeiro parágrafo!)

Quando Bonasera diz “Eu acredito na América” logo no fade in de O Poderoso Chefão, num diálogo que vai entre a gratidão por aquela terra “frutífera” e a indignação de uma justiça falha que absolve os agressores de sua filha, que com lágrimas em seu pobre rosto descreve o quão ela está deformada e pede a Don Vito Corleone (Marlon Brando) por “justiça”: que os mate! Mas o Don nega e diz que se justiça fosse feita, eles não devem ser mortos, mas sofrerem o mesmo que ela sofreu. Pede que peça este favor com respeito e que peça por sua amizade, assim seus inimigos serão o inimigo dele, sendo seu Padrinho.

Entendemos assim, pela cena descrita no parágrafo acima que o Padrinho é um mafioso que segue princípios pelos quais acredita, que lhe servirão de base para as suas decisões, em prol da família, seja aquela construída com esposa e filhos, ou aquela formada por capos, soldados e consigliere (conselheiro). Mesmo que seus atos sejam condenáveis, é um personagem passível de tamanha admiração pela moral a qual valoriza – ironia? Acima de tudo, ele é um pai e seu dever é proteger, ou ele acha que é essa. Os Estados Unidos da América em sua extensa história confundiu o seu “dever” de proteger seus valores de liberdade e democracia com atos moralmente questionáveis que fogem da definição daquilo que tanto defendem, seja lembrando dos indígenas dizimados para que a civilização alcançasse todo o continente norte-americano, a bomba atômica no Japão em prol do fim da guerra, a luta contra o comunismo através de métodos questionáveis e a guerra contra o terror através da tortura e invasões de países do Oriente Médio. Francis Ford Coppola não filma nada sem um propósito e fica claro que o Sonho Americano permeia ainda entre os personagens; a oportunidade de crescer e melhorar de vida só depende de onde e até onde você está disposto a ir, como por exemplo Michael Corleone (Al Pacino, em uma atuação em início de carreira) indo estudar, virando veterano de guerra e sendo um exemplar cidadão americano ou então chefe de negócios ilegais aonde seus interesses são conquistados pela corrupção e o derramamento de sangue - no final das contas, não importa muito o caminho ou o fim daquela linha (geralmente resulta o indivíduo em uma figura trágica), pois é algo que deve ser feito.

Personagens cínicos sob uma visão humanizada é o que sustenta a essência da obra, ninguém é o que é por acaso, são as circunstâncias que definem suas escolhas, tudo por um bem maior: o bem da família. A fraternidade entre seus companheiros italianos é toda retratada na agitada e alegre festa de casamento de Connie (Talia Shire), com direito a muita comida, vinho e muita música, mas quando vamos nos adentramos naquele círculo fechado, onde os negócios não se misturam com os assuntos pessoais. O jogo de contraste de luz e sombra explícito na fotografia deixa explícito o quão fechado é a relação dentro da máfia, ouvimos suas conversas suspeitas, suas reuniões secretas, transformando o espectador em cúmplice, que nos aproxima mais ainda deles. Não à toa, todo o filme tem o ponto de vista de um membro da família Corleone, nunca se mostra o que o lado rival está tramando, a não ser que um esteja ouvindo ou vendo. É esse cerco de inimigos e amigos que se confundem que confere uma visão tridimensional nas ações de cada personagem.

A insistência do diretor em manter a trama em meados da década de 40 pós-2ª Guerra, foi uma escolha acertada. Os produtores e executivos queriam que ambientassem nos anos 70 para diminuir os custos de produção, mas se tivesse tomado esse caminho, provavelmente a obra perderia todo o impacto de sua dramaticidade e relevância. A diferença de ideologias das duas épocas é o que faz refletir perante o mundo de hoje e o do passado; eram outros anseios, mais esperançosos e é por isso que o filme passa uma sensação de nostalgia, porque toda sua diegese carrega uma decadência gradual daquilo que aprendemos a conhecer e a qual Don Vito, um velho tão antiquado, se recusava a ignorar. Ele nos mostra o passado e reflete sobre o presente. 

Fica claro desde o primeiro instante a metáfora da América na história de O Poderoso Chefão, Francis Ford Coppola confere maior poder dramático para as passagens banais do livro de Mario Puzo e transforma um ótimo livro em um filme poderoso, tanto em sua estética quanto em sua essência. Os caminhos que Vito e seu filho Michael tomam é um retrato da passagem do tempo, as mudanças de princípios e do que resta lá de trás para o futuro, para os nossos filhos. E nem o cinema é poupado, quando veio a Nova Hollywood, carregados de inspiração pela Nouvelle Vague e sua tese do cinema de autor, Coppola aproveita uma subtrama no livro para fazer um breve e ácido retrato dos figurões da indústria cinematográfica. 

A saga da família Corleone segue como uma ópera trágica, banhada a sangue e ensurdecida pelo barulho das armas, mas é apenas o som da porta se fechando devagar perante os olhos do espectador que arrebata e encerra a primeira parte desta trilogia.

Nota: 10,0/10,0




Trailer:

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