sábado, julho 6

Crítica: Entre os Muros da Escola (2008)


Por Wendell Marcel


"Entre os Muros da Escola não é 
documentário, mas também não é ficção"

Compre uma câmera, não precisa ser de última geração. Vá até a uma escola mais próxima de sua casa. Entre em uma sala de aula, e não precisa se apresentar; apenas filme o andamento da aula. O resultado que você terá gravando o dia de um professor ensinando seus alunos é semelhante ao ser apresentado em Entre os Muros da Escola (Entre les Murs), do diretor Laurent Cantet (Recursos Humanos, 1999). O roteiro é uma adaptação do livro de François Bégaudeau.

Nesse esquema de trazer a vivência de um professor enfrentando os desafios de ensinar uma turma com tantos perfis diferentes, culturas diversas e personalidades marcantes, que a forma documental do diretor faz toda a diferença em interpretar as ações de todos os personagens. O espectador/leitor é um observador, assim como acontece em Depois de Lucia (Después de Lucía, 2012) , e as emoções são sentidas a flor-da-pele. Não seria de outra maneira, pois os ângulos com que o espectador observa as sequências da sala de aula possibilitam ter a visão das ações dos alunos, assim como torna o ambiente um formato de quadro, sendo a moldura a própria divisão da sala. É nesse local que François (o autor do livro que virou filme) tenta ensinar a seus alunos o francês da França, em uma escola pública do país.

Muitos alunos indagam as estruturas semânticas da língua, arquitetam perguntas contraditórias para confundi-lo, e assim persuadi-lo a responder de forma precipitada; tornam a repelir a atenção no que está sendo dito no quadro, conversam entre si, atrapalham o andamento da aula... Tudo normal, que realmente acontece na vida real. Até as personalidades destacadas do cdf da turma, a galera do “fundão”, e a garota que tem dificuldades em aprender as matérias estão inseridas no roteiro agraciado pelas interpretações dos atores, alguns com os próprios nomes da vida real encenando sua própria experiência escolar. Os conflitos dão correr no filme, mas são as avaliações sociais que podemos fazer desses dois grupos (professores e alunos) a chave para compreender as complicações da arte de ensinar e as mudanças de países como a França sofrem há alguns anos.

A diferença dessa sala de aula de Entre os Muros da Escola é que muitos alunos são advindos de outros países. Nessa mistura de culturas tão diferentes, concepções divergentes, são extraídas os valores de cada um, através das impossibilidades do próprio professor em respondê-las. Visivelmente, ainda que querido entre os alunos, François está despreparado em induzir nos seus alunos a desapropriação de sua própria concepção. Ele difere na turma atitudes preconceituosas, transmitidas por suas mensagens advertidas por uma lógica irracional ou não pensadas. Sobre isso, o filme de Cantet não critica, mas apresenta aos espectadores as barreiras do conhecer/reconhecer as diferenças vívidas no âmbito escolar; além de problematizar ainda mais sobre o modelo pedagógico adotado pela escola fictícia em questão, porém real em muitas instituições de ensino. As grandes incoerências entre educar e saber educar são de imediato a mais intensa e categórica questão apresentada no longa.

Até onde a realidade do professor, muitas vezes visto como distante, pode adentrar na realidade de seus alunos? Essa é outra questão que impacta ao conhecer a história de um dos “garotos do fundão”, responsáveis pela bagunça, discórdia e desentendimentos, mas que em outro momento se mostra eficiente em certa atividade escolar. Mas, o que está além dessa revolta e agressividade do aluno? O que ele passa junto da família para ter de ir morar em outro país ou estado para poder ter o mínimo de dignidade, através da educação? A desavença, nesse caso, é estar longe de casa, dos seus, da sua cultura. Cabe ao professor criar expectativas nesse aluno ou tratá-lo como igual e apenas fornecer o conhecimento? O filme de Cantet faz refletir.

Afastado sobre a premissa de responder às questões as quais levanta (a xenofobia do professor assustado com essa mesma proposição de tê-lo; a incapacidade de angariar motivações em seus alunos; o pensamento da superioridade entre os colegas de classe mediante o imperialismo que rendeu tantos conflitos no passado; o despreparo, a saturação dos motivos que levam alguém a desafiar seus próprios princípios para reconhecer a possibilidade de existir outros), Entre os Muros da Escola está realmente cercado por barreiras que vão além da pronúncia aderida no título do filme no Brasil. Os muros são tão imensos quando os que circundam a escola: muros apropriados por ideologias, famintas de respostas, perdão pelo sofrimento alheio passado. São essas mesmas barreiras as resultantes e motivadoras dos conflitos, das mensurações.

O filme venceu a Palma de Ouro em Cannes, e é um dos exemplares mais honestos a ser apresentados aos educadores e qualquer um que faça parte do sistema de ensino. Citando outros quadros munidos do mesmo tema como Escritores da Liberdade (Freedom Writers, 2007), a análise externa fantástica de Preciosa - Uma História de Esperança (Precious: Based on the Novel Push by Sapphire, 2009) e Ao Mestre com Carinho (To Sir, with Love, 1967). 

A câmera que treme enquanto filma a sala de aula, é a mesma sensação de estar em um barco que a qualquer momento pode naufragar. As ondas não são controláveis, mas quando existe a competência e a propriedade de navegar, pode-se chegar até a costa. François tem a competência de navegar, mas não a propriedade. E não adianta ter a bússola se não sabe utilizá-la.

Nota: 9,0/10,0




Trailer:


5 comentários:

  1. Excelente texto!! É realmente de se refletir o papel do professor dentro da sociedade, levando em conta a sua tamanha influência em seus alunos, que serão o futuro desta mesma sociedade.

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  2. Ótimo texto, o realismo do filme é impressionante, bem como a naturalidade das atuações. Pra mim este é um dos melhores filmes da última década!

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  3. Sim, foram usados digamos" alunos reais", não atores e sim alunos de verdade.

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  4. Baixar o Filme - Entre os Muros da Escola - Mostra que a escola está isolada e incapaz de resolver os problemas criados pela sociedade - http://mcaf.ee/3me05

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  5. Eu sou docente e esse filme ensina muito. Tem que ser visto com atencao, pelas suas minucias. Muito bom!

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