sábado, agosto 3

Crítica: Quando Explode a Vingança (1971)


Por Maurício Owada


"Qual o significado das revoluções?"


A revolução não é o convite para um jantar, a composição de uma obra literária, a pintura de um quadro ou a confecção de um bordado, ela não pode ser assim tão refinada, calma e delicada, tão branda, tão afável e cortês, comedida e generosa. 
A revolução é um ato de violência.
Mao Tse Tung 

Um questionamento que sempre surge quando falamos de revoluções é: "para onde nos levarão?" Porque dentro do processo histórico, quando o povo se vê em detrimento dos interesses meramente pessoais de seus tiranos, organicamente, é muito normal que pessoas levadas por movimentos revolucionários se levantem contra a estrutura de poder que oprime elas em diversas esferas.

Ainda que em seu estilo que mistura cenas de uma dramaticidade operística ou momentos engraçados, como já fizera em seus outros faroestes que moldaram sua carreira, Sergio Leone traz consigo um dos seus filmes mais maduros - Era Uma Vez no Oeste (C'era Una Volta il West, 1968) já deixava isso claro quanto a construção e desconstrução do gênero - mas aqui, o discurso político é presente na história dos dois personagens: Juan Miranda, um bandido mexicano interpretado por Rod Steiger e Sean Mallory, um ex-guerrilheiro irlandês vivido por James Coburn.

Se este texto soar mais como reflexão dos temas que Leone aborda do que uma crítica em si, fiquem a vontade. Mas é bom lembrar como Leone sempre teve um jeito muito peculiar de contar histórias, seja uma sequência inteira sem diálogos onde tudo é dito pelos olhares dos personagens e pela trilha sonora sempre majestosa e brilhante de Ennio Morricone. E como isso é muito importante no modo como o cineasta não só é genial na criação do suspense, mas da imersão emocional do espectador para com seus personagens - desde Por Uns Dólares a Mais (Per Qualche Dollaro in Più, 1965), tanto o roteiro quanto a execução dos elementos diegéticos e extra-diegéticos sempre apontam cada vez mais no desenvolvimento dos personagens e na criação de uma empatia com cada um deles cada vez mais forte, conforme Sergio Leone vai fazendo seus filmes.

E esta empatia com os personagens tanto de Juan e Sean vem no contexto da Revolução Mexicana. Ambos homens, clandestinos por onde andam e da terra que lhes deveria servir de acolhimento - um bandido que não acredita nos ideais revolucionários e outro, um perito em explosivos que precisou fugir da Irlanda perseguido por ter seguido a luta armada pelo seu país. E claramente, vemos a construção dos vilões - o exército de Porfírio Diaz quase lembra os fascistas italianos (talvez pelos traços dos atores latino-europeus vivendo latino-americanos, como era comum no casting dos filmes de Leone) - em sua total brutalidade como braços de um Estado repressor. Mas o filme não cai na armadilha de ser sério demais, como é comum nos filmes políticos e é sempre interessante pensar que cineastas aclamados traziam ao processo da narrativa, um pouco de humor - como na cena inicial em que Juan adentra a uma diligência cheia de passageiros burgueses e é constantemente humilhado por aqueles personagens, o chamando de animal, quando temos planos detalhes de suas bocas comendo enquanto riem e debocham numa montagem sensacional de Nino Baragli, numa subversão irônica do discurso daqueles personagens que já aprendemos a odiá-los.

Apesar de ser o seu filme mais político (inserido numa trilogia cuja importância maior já não era mais a representação de um gênero americano pelo estilo italiano, mas a representação da história pelo olhar do cineasta italiano), Leone deixara claro numa entrevista que a Revolução Mexicana no filme era mais um símbolo do que uma representação do real e que seu verdadeiro tema central na verdade era a amizade. E apesar da legenda dura e agressiva que surge no começo do filme, Leone sempre se opõe a ideia do imaginário idealista das revoluções e Juan, diante de sua postura amoral em que partiu pra vida de crimes e acaba aceitando ser parte daquela luta contra a opressão por dinheiro, discursa contra essa fantasia que repercute acerca desses movimentos históricos: tirar aqueles que bebem e dormem no conforto enquanto outros vivem na pobreza para colocar outros que irão beber e dormir no conforto - para logo depois, Sean jogar o livro de Bakunin na lama.

Quando Explode a Vingança (Duck, You Sucker/A Fistful of Dynamite, 1971) é talvez o seu filme menos conhecido, mas talvez pelo apelo do título inusitado, deixe o espectador desarmado pelo seu tom meio debochado e cômico para cenas mais dramáticas e sombrias. Uma das últimas empreitadas de Leone ao gênero faroeste (ele ainda co-dirigiria Trinity e Seus Companheiros, filmando apenas a introdução) para depois, partir para o gênero gângster em Era Uma Vez na América (Once Upon a Time in America, 1985).

E o que fica no final do filme é a pergunta: para onde vou? Depois da vitória, de derrubarmos nossos algozes, a pergunta que fica estampada no rosto em close de Rod Steiger nos deixa desamparados, já que ele corta secamente para o título inusitado que significa "vai se ferrar, idiota!". Enquanto até Era Uma Vez no Oeste, seus protagonistas seguiam seus rumos incertos mas decididos a não ficar, o personagem de Rod Steiger fica desamparado, num grande close, encarando a câmera, interrogativo ao que fazer depois da vitória, já que o processo dos eventos históricos levem aqueles que não protagonizam seus acontecimentos ao mesmo lugar de sempre - e as mudanças se seguem irrelevantes nas suas vidas. Cínico? Talvez sim. Mas acho que é porque é assim mesmo.

Nota: 8.5/10.0




Trailer:

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