segunda-feira, maio 14

Crítica: Drive (2011)

► ESSE TEXTO CONTÉM DETALHES DO FILME! 
Por Kaio Feliphe


"Cinema de autor."

“There’s something inside you
It’s hard to explain
They’re talking about you boy
But you’re still the same.”

O silêncio. Nunca o silêncio fez tanto sucesso no Cinema quanto em 2011. Isso se deve basicamente por dois motivos. O primeiro: O Artista (The Artist, 2011), filme mudo francês que conquistou crítica e público e faturou a maioria dos prêmios que disputou. O segundo: Drive (Drive, 2011). Bom, esse não é um filme mudo, mas é construído em grande parte no silêncio de seu personagem principal.

Baseado no livro de mesmo nome do escritor americano James Sallis, o filme conta a história do Motorista, um cara que trabalha como dublê e mecânico durante o dia, mas a noite ajuda assaltantes em seus delitos, pilotando o carro de fuga. Vendo assim, você deve pensar: “Ué?! O motorista não tem nome?” Pois é, o solitário e silencioso protagonista que não sabe da onde veio, características eternizadas pelos personagens de Clint Eastwood em seus Westerns estão de volta em grande estilo, no maravilhoso filme do diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn.

O filme já começa com um prólogo de tirar o fôlego. 10 minutos de pura tensão, trabalhados com destreza por Refn com movimentações de câmera inteligentíssimas, dando uma dinâmica constante e única a cena. Essa dinâmica se deve ainda à rítmica e incessante trilha-sonora synth-pop de Cliff Martinez, antigo baterista da banda californiana Red Hot Chili Peppers.

Outro ponto a se ressaltar nessa cena inicial (não só aqui, mas no filme inteiro) é a brilhante atuação de Ryan Gosling. O ator conseguiu fazer algo que não é qualquer um que consegue, falar com os olhos. O olhar solitário, distante, triste do seu personagem nos faz pensar: “Nossa, o passado desse cara foi triste né?! Observe o olhar dele.” Com essa performance, Gosling se consolida como o melhor ator surgido nos últimos anos.

Depois dessa maravilhosa introdução, a história continua e um fato importantíssimo acontece: O Motorista conhece Irene e Benício. A partir daí, o filme se torna um complexo estudo psicológico do protagonista. Como já foi dito, ele era solitário, não tinha ninguém na sua vida, apenas fazia seu trabalho e voltava pra casa. Mas depois de encontrar Irene e seu filho, o Motorista encontra um abrigo, um refúgio do mundo de solidão em que ele vivia. E isso é recíproco, já que Irene tinha o pai de seu filho preso e também se sentia sozinha.

“You’re emotionally complex
Against the grain of dystopic claims
Not the thoughs your actions entertain
And you, have proved to be...

A real human being and a real hero.”

Tempos depois, o pai de Benício, Guzman, é libertado e precisa fazer um trabalho para pagar uma dívida que ele fez quando estava preso. Ele tinha que assaltar uma loja de penhores e pediu ajuda ao Motorista para, obviamente, dirigir o carro de fuga. Acontece um imprevisto e Guzman é morto. O Motorista e Blanche conseguem escapar, mas aí começa uma perseguição aos dois. Na cena em que os dois estão em um quarto, os sentimentos do antes contido Motorista começam a vir à tona, exigindo uma resposta de Blanche para o acontecido. De repente se ouve um barulho na maçaneta, O Motorista trava a porta com um colchão e Blanche se esconde no banheiro. Pela janela, Blanche toma um tiro de .12 na cabeça, mas o Motorista consegue se defender e mata os dois bandidos. Quando a câmera mostra-o todo ensanguentado, vemos a sua verdadeira natureza. Um homem quieto, mas muito perigoso.

Aí vem o ápice do filme, a famosa cena do elevador. O Motorista e Irene entram em um elevador com um homem estranho. O Motorista percebe que ele porta uma arma. O clímax. Em uma câmera lenta, o Motorista protege Irene, dando seu primeiro e último beijo nela, e esbofeteia o cara até a morte. Nesse momento, o filme alcança um teor psicológico muito grande. O Motorista finalmente libera todas as suas emoções que ficaram ali, guardadas por muito tempo. Por isso a violência que ele aplica no homem é totalmente plausível, é uma explosão de sentimentos que vêm à tona.

“Certa vez, um escorpião aproximou-se de um sapo que estava na beira de um rio.
O escorpião vinha fazer um pedido: ‘- Sapinho, você poderia me carregar até a outra margem deste rio tão largo?’
O sapo respondeu: ‘Só se eu fosse tolo! Você vai me picar, eu ficarei paralisado e vou afundar. ’
Disse o escorpião: ‘Isso é ridículo! Se eu o picasse, ambos afundaríamos.’
Confiando na lógica do escorpião, o sapo concordou e levou o escorpião nas costas enquanto nadava para atravessar o rio.
No meio do rio, o escorpião cravou seu ferrão no sapo. Atingido pelo veneno e já começando a afundar, o sapo virou-se para o escorpião e disse:
‘- Por quê? Por quê?’
E o escorpião respondeu:
‘- Por que eu sou um escorpião. Essa é a minha natureza.”

Esse é o conto do escorpião e do sapo que o Motorista fala ao telefone com Bernie (lembra do escorpião na jaqueta dele?). Esta pequena historinha de origem africana é a essência da obra. Mesmo tentando oprimir todos os seus sentimentos, ninguém consegue deixar de ser o que é. E sendo o que ele é, o final não foi mais do que apropriado. Um “herói” que salvou a mocinha e derrotou todos os seus inimigos. Mas eles não terminaram juntos, justamente pela sua natureza. Ele nasceu para ser solitário.

Drive é um filme fantástico lançado em meio às mesmices do cinema de ação atual. Muitos reclamam de ele ser extremamente clichê, sendo apenas uma colagem de vários filmes antigos. Bom, não é uma obrigação todo filme ser 100% original. Como já foi dito, “existe várias maneiras de se filmar uma galinha andando”. Espero que essa forma de filmar de Refn continue. O Cinema precisa.

Avaliação: 9/10

* Apesar da versão em Blu-ray chegar às lojas brasileiras somente em Outubro, você já pode encontrar essa belezura nas locadoras. O problema é que a distribuição é feita pela Imagem Filmes, famosa por mutilar a imagem dos filmes. Vários consumidores já reclamaram, mas a empresa mantém a atitude. Uma pena.





Trailer:


7 comentários:

  1. Realmente um filme bem inovador, que no fundo não se encaixa em nenhum tipo, não é drama, não é ação, não é suspense, não é romance. É um pouco disso tudo. Uma pena Ryan Gosling não ter sido indicado ao Oscar por ele.

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  2. Assino embaixo de suas palavras, Gilberto.

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  3. Drive é uma das surpresas do ano, e após tê-lo assistido fiquei confuso com a falta de sua participação no Oscar.
    Se bem que a palavra Oscar, nos últimos tempos, não quer dizer muita coisa ! :p

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  4. Pois é, Drive não aquilo que chamamos de "filme de Oscar", mas se a premiação fosse menos acadêmica, com certeza Drive teria abocanhado alguma coisa. E por mais que o Oscar tenha perdido sua credibilidade ao longo dos anos, acho que ele ainda signfica bastante coisa quando se trata de reverenciar bons filmes.

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  5. "Drive" tem realmente uma exploração de câmera magnífica, e uma trilha sonora sensacional, mas é uma obra que sobrevive de poucos momentos, tanto que a maior parte do filme é fria, inanimada, para que nosso prazer se eleve mais nas cenas em que algo realmente acontece...
    Sei lá, tenho que rever e tal.

    http://iludidos.wordpress.com/

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  6. Ainda preciso conferir.

    Gostei das críticas que li pela net.

    Abraço

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  7. Realmente um filme excelente, Refn é meio Tarantino, só que mais sensível e menos fetichista, apesar das cenas de violência, mas é uma das poucas boas surpresas do ano passado

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