quinta-feira, maio 15

Crítica: Godzilla (1954)


Por Maurício Owada

"A personificação do medo das armas de destruição em massa,
e o início de um gênero comercial"

Ishiro Honda ficou conhecido por dirigir muitos filmes de ficção-científica e horror em plenos anos 50 no Japão, quando ocorreu o boom econômico que alavancou o país quando fazia nem uma década que havia sido devastado pelas bombas atômicas de Hiroshima e Nagazaki e saía quebrado após seu exército ter sido praticamente massacrado pelos adversários, saindo derrotado da Segunda Guerra Mundial. A cultura japonesa popular que conhecemos hoje começou a se formar naquela época, criando obras icônicas, como o Osamu Tezuka, pioneiro do mangá e do anime com Astro Boy e nessa época, a tecnologia japonesa começava a criar forma com jovens brilhantes fazendo a sua própria e na parte de cinema, tínhamos a vanguarda e os diretores renomados, como Akira Kurosawa, Yasujiro Ozu, Kenji Mizoguchi, Masaki Kobayashi, entre outros. Entre eles, surgiram alguns que foram pioneiros em gêneros próprios, como Ishiro Honda, que popularizou os filmes de kaiju (monstros gigantes) e tokusatsu (filmes de efeitos-especiais), junto com Eiji Tsuburaya, responsável pelos efeitos-especiais que levou adiante o gênero tokusatsu com a franquia Ultraman, que gerou séries e filmes.

Juntos, Ishiro Honda e Eiji Tsuburaya, através de um roteiro que explorava os medos do desconhecido e do conhecido do povo japonês, misturando uma lenda regional a beira-mar com a realidade da radiação ainda recente, o filme Godzilla, uma criatura aparentemente folclórica, que vivia nas profundezas do mar que sofre uma mutação e sai das águas, destruindo tudo o que vê pela frente, foi um marco do cinema japonês. Um dos grandes êxitos do roteiro é os diversos pontos de vista em um filme que explora a destruição de cidades através das pegadas gigantes e do raio que sai pela sua boca, que incendeia tudo. Utilizando de técnicas práticas, consideravelmente inovadoras, o filme mantém a magnitude do monstro, ainda que percebemos que é um homem dentro de um boneco encenando em uma cidade de maquete, é a abordagem sombria e fúnebre no impacto do monstro em cima do povo japonês que o filme sucinta reflexões em cima do poderio bélico imperialista, quando os EUA havia feito testes atômicos no Pacífico, quando ocupou o território japonês após a guerra, a partir do Mar do Japão. É a consequência imaginada, de uma forma ampla em diversas questões, temos dilemas de personagens principais como o cientista que não quer matar o monstro como uma forma de estudar uma nova espécie, o jovem marinheiro que destruir o monstro pra evitar mais mortes (e ambos entram em conflito pelo rapaz ser o futuro genro do cientista). Além de outro cientista, que perdeu um olho na guerra e testa uma nova arma, o Destruidor de Oxigênio, cuja capacidade de destruição leva ele a temer que tal arma caia em mãos erradas.

As tramas envoltas do perigo que aquele réptil gigante representa, torna um filme cheio de efeitos especiais em um filme mais humano, um acerto de mestre de Ishiro Honda, que deve ter aprendido com o diretor do qual foi assistente, Akira Kurosawa. É esse tipo de abordagem que foi utilizada por outros grandes diretores como Spielberg em Tubarão, O Nevoeiro, de Frank Darabont, que é o humano confrontado com aquilo que não conhece. Infelizmente, esse aprofundamento narrativo é muitas vezes, ignorado por blockbusters de hoje, que se perdem na pirotecnia e se esquecem que quem faz o filme é a história e os atores, ainda que seja plausível a utilização de CG, ignorar todo o resto afim de proporcionar um show digital de imagens pasteuriza todo a experiência que o cinema pode proporcionar, tira o encanto que tínhamos com cenas, que muitas vezes, nos fazem pensar como deve ser feito, além de que a utilização bem feita de computação gráfica entrega uma obra mais visualmente orgânica - nada parece falso - e não só pela limitação técnica, alguns diretores preferem o uso de maquiagens e efeitos práticos como contribuição para a estética. O uso excessivo e massante do CG hoje em dia não só torna o visual do filme mais "falso", como ainda impede uma revolução na forma de fazer filmes nesse campo, coisa que poucos diretores se arriscam em fazer, como a franquia cinematográfica de J.R.R. Tolkien dirigida por Peter Jackson.

Tão importante para o cinema japonês, quanto para o cinema mundial, que o levou a três remakes, um sem-vergonha (utilizou de cenas originais com um ator americano em outras partes, criando uma outra história), outra vergonhosa (com alívios cômicos e uma descaracterização tremendamente desrespeitosa com o espírito do filme) e outra com Gareth Edwards, um diretor novato que faz seu segundo longa e seu primeiro grande filme e ele promete manter o espírito e trazer um bom cinema blockbuster, que respeite o longa original (aliás, o filme de 1954 fará parte da narrativa do "remake", conforme trailers). No fim, apesar de ter virado uma franquia para entretenimento, o primeiro Godzilla (Gojira) é um filme luto, pesado, triste e cujo final é digno de reflexão, aonde o sacrifício é necessário para que se evite mais mortes e tragédias.

Nota: 8,0/10,0




Trailer:

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