segunda-feira, agosto 18

Crítica: Nada É Sagrado (1936)

“Punido por seu patrão, jornalista para retornar as graças com ele, aceita escrever uma série de artigos sobre joveminfeliz contaminada por rádio que possui pouco tempo de vida. Quando chega a pequena cidade onde ela mora, é ludibriado, já que o médico já havia lhe dito que o diagnóstico era errôneo: em realidade tratava-se de anemia – trata-se de um médico incapaz e dado as bebidas – único dispoível no pequeno lugar. Ela se cala e aceita se dirigir a new York e viver alguns dias de Cinderela como se estivesse a viver os últimos.”

Alguns mais atentos verão nessa sinopse semelhança com outro filme: Adorável Vagabundo (1941) de Frank Capra. Contudo Wellman e o roteiro não possuem por trás a preocupação social que o siciliano possuía o que enfraquece o seu resultado. Entretanto, esse não é desprezível. O roteiro (escrito por várias mãos) possui algo daquela magia que (salvo raras exceções) jaz perdida pelas gerações atuais. Wellman conhecido por seus Westerns e Filmes de Guerras se não decepciona, também não empolga. Falta-lhe uma maior desenvoltura para explorar as várias situações propiciadas pela história. Fica centrado apenas no romance entre o par central, esquecendo-se assim de outros achados: o jornalismo sencacionalista e a fome pela tragédia da população (que a imprensa marrou como Datena e Marcelo Resende explora até hoje – Wilder exploraria tão a perfeição no genial “A Montanha dos Sete Abutres”) Alguns personagens ainda que caricatos, nos divertem muito: Connolly cria um dono de jornal hilário, o engraxate/sultão é um achado, o méico alcólico divertido. Se Carole Lombard se sente a vontade no papel, falta a March o cacoete necessário para viver o personagem. Parte da falta de química da dupla  central nasce dessa falta de traquejo de Fredric para a comédia.


Alguns críticos acostumados a ter contato com a safra perfeita daquela época: Capra, Lubitsch, Hawks, Sturges, alguns La Cava e Leisen, certamente criticarão a obra e verão nela diálogos pouco explorados a algumas situações que mais constrangem que divertem ( O esquilo sobre as costas da protagonista e seu grit por exemplo) Wellamn parece ser perder com o roteiro e não possui a versatilidade necessária para trabalhar com o tema. A mise en scène soa insensata e monótona em vários momentos; o gênero ao contrário disso pede e requer uma disciplina e um manuseio das situações bem mais elaboradas por parte da direção. Apesar de contidos em suas virtudes pela direção, notamos o conhecimento que possuíam do que deveriam realizar em cena (exceto March). Apesar disso, o filme ainda surpreende e o tema é pertinente até hoje. Prova suprema que o que falta para os roteiristas de hoje é passearem seus olhos pelo que era produzido na velha Hollywood. Como o filme caiu em domínio público as cópias em DVD nem sempre trazem aquela preocupação em manter a obra a mais original possível. Isso não é culpa do filme e nem desculpa para não o conhecermos. Garantida uma boa diversão para quem se aventurar a vê-lo.



segunda-feira, agosto 11

Crítica: Irene, A Teimosa (1936)




A Comédia ligeira brilhou soberana na década de 30 e 40 nos EUA. Desse delicioso legado guardamos na memória mais facilmente os nomes de George Cukor, Ernst Lubitsch, Hawks, Capra (que se valeu do gênero mais o aprofundou ao seu mundo), McCarey e Sturges. Wilder exploraria como diretor tal veio bem mais tarde na década de 50, mas o seu estilo é mais corrosivo (genial porém), tendo contribuído nessa época como roteirista de algumas pérolas (A Oitava Esposa do Barba Azul, Bola de Fogo, Ninotchka – o que por si só bastaria para eternizá-lo na História da Sétima Arte). Outros diretores simplesmente jazem esquecidos, apesar de possuírem obras que merecem atenção do cinéfilo atento. Casos de Leisen (que se valia de roteiros de Sturges) e La Cava (que era tinha experiência anterior com animações). Iremos colocar nossa atenção sobre uma de suas obras aqui.

O que mais me encanta nesse gênero é a originalidade de suas premissas: “Aqui duas irmãs desocupadas e mimadas participam de uma gincana onde devem levar um mendigo até um clube onde membros da sociedade privilegiada participam de jogos absurdos com o objetivo de preencherem o vazio existencial de suas vidas. Num lixão improvisado sobre uma ponte elas se deparam com Godfrey (William Powell) e tentam o convencer a ir com elas. A menos arrogante das irmãs consegue convencê-lo e ela fatura a gincana. Como forma de agradecimento (ela sempre perdia para a irmã) ela resolve contratá-lo como mordomo. O homem aceita e descobre que terá de conviver com uma família de excêntricos malucos que a custa do dinheiro que possuem, cometem de enormes extravagâncias, ignorando assim a realidade social que vigora no país naquela época. Godfrey terá a missão de retirá-los do estado de inconsciência e mergulhá-los na realidade, tendo ainda de garantir seu emprego para não retornar as ruas, de onde escapara.”
Precisamos, para aprecia-lo melhor, lembrarmo-nos do contexto em que foi produzido. Os EUA passavam pela maior crise de sua História. O desemprego e a fome campeavam pelo país. Capra se encaixara nessa realidade com suas obras da qual se exalava um otimismo político, social e econômico e ousava em obras onde se depreendiam acentos socialistas como Adorável Vagabundo e O Galante Mr Deeds. Da parte de La Cava poderíamos (pela sua formação anterior) uma obra mais subversiva e anárquica, já que trabalha aqui com um roteiro que se ancora no choque das classes sociais. No entanto ele encaminha a historia para um terreno mais cômodo, deixando de lado temas políticos oportunos, mas que poderiam soar muito subversivos, Assim o filme apenas insinuará alguns temas e o roteiro tratará de colocar o mendigo/mordomo como alguém riquíssimo que optou por descer de sua torre de marfim para melhorar a realidade que o cercava. Essa revelação quando o filme já se adiantava, frustra um pouco o expectador moderno. Mas, no entanto torna crível o perfeito domínio do ambiente em que se ele enfiou, com uma diferença primordial: Ele mostra qual deve ser o comportamento dessa classe social. E por ser mais rico, acaba por ser o porta voz dessa classe: salva a família da bancarrota, as filhas se dão conta de como foram ridículas, sendo egoístas, imaturas e superficiais. E o próprio Godfrey expande esse ensinamento além. Sua própria família se dá conta de que é se investindo no trabalho que se reerguerá a nação, uma lição aos especuladores e políticos de todos os tempos.
Ainda que o discurso soe ultrapassado e datado, o filme é considerado como um dos ápices da comédia ligeira, graças as interpretações, aos diálogos saborosos e a precisão rítmica  da mise em scène. La Cava com esses 3 elementos conseguia reger um concerto em elevada interpretação desde o inicio até o fim.  As excentricidades da família e do protegido possuem uma ternura adocicada e desembocam em verdadeiros absurdos (pertinentes, mas absurdos). O diretor com uma elegância hoje esquecida coloca os personagens em situações pouco comuns: a biblioteca vira uma estrebaria, os jantares são regados a declamações de um protegido de madame sem talento algum, um verdadeiro chupim (Carlo - Misha Auer, O professor Boris Kolenkhov de “Do Mundo Nada Se Leva – indicado ao Oscar).As interpretações de todo o elenco cativam: Gail Patrick  cria uma Cornelia pretensiosa que não recua diante de nada; Carole Lombard, que tão bem sabia criar jovens caprichosas totalmente desconectadas da realidade, é uma comediante nata. Ela nos rouba deliciosos sorrir ao simular pesadamente um delíquio para punir o homem que nega seus avanços. Aliás foi o primeiro filme indicado em todas as categorias de atuação. Se eu fosse definir o estilo de La Cava diria que seria no tocante a temática social um Capra e pelos diálogos um Cukor (devido a acidez desses). Já a mise em scène e o timming dos diálogos  é uma mistura de Lubitsch e McCarey. Precisava conhecer mais obras suas. Somente vi essa. 

Agora se o restante for tão promissor quanto isso será muito bom. Lamentavelmente as cópias (DVD) que nos chegam são descuidadas. Uma pena já que a obra merecia um maior carinho. Talvez também melhor seria se tivéssemos adotado o título dado em Portugal: Doidos Milionários. Tem muito mais a ver que o usado no Brasil.

Nota: 8,0/10,0



Crítica: Cupido É Moleque Teimoso (1937)


Por Conde Fouá

Sempre que lia assuntos relacionados ao cinema e ao gênero comédia e se citavam obras pertencentes a tal, vezes várias me deparava com esse filme de Leo McCarey nomeado. Só o assisti agora (23/12/08), na madrugada, pela TV fechada. Não aprecio muito conhecer um filme através da tela pequena. Contudo, fazia pelo menos uns quinze anos que o pretendia assistir e nunca me deparei com ele em cartaz no circuito alternativo. Estava com tempo, estava sem sono e no dia seguinte estava de folga. Tudo se ajustou e finquei-me no sofá. O filme em si é difícil de comentar. Só o vi uma vez e me deu aquela sensação de que ficou aquém do esperado. Optei por só escrever agora, que o filme já se distanciou do impacto que senti naquela madrugada. Eis algumas das “impressões” causadas:

1 – Trata-se de um tema por demais filmado. Uma comédia sobre a reconciliação, quando a separação já se fazia iminente. Contudo esse déjà vu não deve ser considerado uma fraqueza da obra. Ao contrário, trata-se de entrar em contato com o original. O filme de MacCarey deve ser reconhecido com o primeiro e perfeito iniciador dos códigos e regras que seria copiados e utilizados até o esgotamento por seus seguidores.


2 – O filme se ancora sobre diálogos saborosos e inspirados. Os atores estão soltos e percebe-se que o improviso surgiu várias vezes: explorou-se aquilo que se chama comédia de situação. A graça não decorre somente do inspirado roteiro, nasce também do improviso e surge várias vezes de gestos e olhares próprios do cinema mudo. 


3 – Um casal que se ama e se digladia como cão e gato até a reconciliação ou entrega ao sentimento que os afeta é tema recorrente. Poderíamos citar dezenas rapidamente. Cito apenas duas películas: “Aconteceu naquela noite” e “A garota do adeus”. Contudo credito a McCarey nesse filme uma das sequências mais inspiradas que já vi. Quando Jerry reencontra sua mulher numa danceteria, ela está acompanhada de um cavalheiro que ele já avistara (Dan Leeson – um ingênuo recém saído de Oklahoma que deve obediência a mamãe). Ele está acompanhado de uma dançarina com aspirações a cantora. Os casais dividem uma mesa e tanto ele (Jerry) quanto ela (Lucy) ao olharem para os novos parceiros, tem a certeza que nenhum dos dois podem se ombrear ao antigo. Só que dar o braço a torcer está fora de questão, além do que o filme ali se findaria. Assistiremos a um show, onde cada qual vê o novo escolhido se esboroar diante dos olhos satisfeito do outro (Curioso... é o segundo filme que vejo de Ralph Bellamy em sua juventude e o papel se assemelha. Dan Leeson parece-me uma cópia fiel de Bruce Baldwin de “Jejum de amor” (ou vice-versa).



4 – O filme parece crescer de ritmo, a medida em que as gags diminuem. De qualquer forma quase no seu final, surgem duas cenas que marcam visualmente. O casal que ganha uma carona dos policiais, nada mais cômico, não carece de nenhum diálogo que reforce o riso que nasce espontâneo ao assistirmos o ridículo da situação. A outra é que dará término ao filme. Trata-se de variações sobre uma mesma gag. Alguns dirão que tal não funciona mais. Será? Talvez seja longa demais, mas não seria justamente essa sensação de não término que faça com que estampemos um largo sorriso com a tomada final (o relógio)? Não descreverei o que ocorre, a fim de não estragar a surpresa para aquele que se dignar a conhecer a obra.

Décadas após seu surgimento nas telas, o filme ainda mostra um vigor e é ainda uma referência para os novos cineastas. Tal não é pouco e merece nossa admiração. Afinal estamos diante do “original”. E esse original foi bem realizado. 


Escrito em 24/12/2008


Nota: 8,0/10,0