quinta-feira, outubro 3

Crítica: Harakiri (1962)


Por Maurício Owada

"Quando os valores de um guerreiro
vão água abaixo, o que sobra?"

Harakiri, ou Sepukku (no título original em japonês) é um ritual suicida que todo samurai ou guerreiro comete afim de manter sua honra, sendo mais digno dar fim a própria vida cortando o próprio ventre, do que viver desonroso com seu povo e consigo mesmo. Se utilizava geralmente, a sua espada mais pequena que sempre empunhava junto com a espada principal, para penetrar o abdome e havia sempre, um auxiliar preparado para cortar a sua cabeça, caso tal dor da espada penetrando a carne fosse insuportável a ponto de demorar a morrer.

Na trama do filme, o ex-samurai Hanshiro Tsugumo (Tatsuya Nakadai) vai a Casa Iyi pedindo um recanto do castelo para cometer honradamente o seppuku, pois já não suporta mais a pobreza em que vive. Em flashbacks, descobrimos que alguém da mesma casa que ele serviu cometeu seppuku ali com uma espada de bambu, devido a pobreza que vivia, tendo que vender sua lâmina para sustentar a família e as reais motivações de Hanshiro.

Em uma atuação visceral e irreconhecível, Tatsuya Nakadai dá vida a um samurai velho que não tem mais nada a perder, totalmente sem rumo, de olhar abatido e uma voz fúnebre, provando sua versatilidade como ator, quando ainda tinha apenas 30 anos. O ator já tinha trabalhado com o diretor Masaki Kobayashi antes na trilogia Guerra e Humanidade (Ningen no Joken, 1959 - 1961) como um jovem idealista, mas Masaki deixa o retrato das consequências recentes da Segunda Guerra para voltar os seus olhos em seus antepassados mais antigos e de uma forma ou de outra, não deixa de dialogar com a situação do país naquela época, um Japão pós-guerra destruído e arrasado pela loucura de seus líderes imperialistas, cujo nacionalismo beirava ao puro fanatismo (numa época em que se destacaram os temidos kamikazes). Kobayashi abre espaço para mostrar a crueldade dos senhores que abre mão da condição humana em prol de valores e códigos de ética inventados por eles e ultrapassa o contexto histórico, dialogando com um mundo que estava se cicatrizando de uma guerra de proporções devastadoras, levadas por ideologias questionáveis, como o nazismo e o fascismo, e passava pelo processo de reconstrução.

A direção de Masaki Kobayashi preza por planos estáticos, que valorizam o cenário, e movimentos de câmera lentas, que engrandecem a mise en scène e destaca os simbolismos presentes na obra, como a armadura de um guerreiro antepassado da Casa Iyi, que no final da película, está fora do lugar e toda destruída. O roteiro também preza a trama em si e sua estrutura de flashbacks intercalados com a cerimônia de suicídio que aos poucos toma um caráter cada vez mais diferente, atingindo o clímax em uma cena extremamente bem filmada e coreografada, fazendo deste um excelente exemplar dos filmes de samurai.

Harakiri é uma obra-prima de Masaki Kobayashi, um filme atemporal sobre a ignorância e a intolerância diante de valores pré-estabelecidos não só pela sociedade feudal japonesa, mas também a de hoje e de sempre, levando o homem a atos desumanos, tudo em prol de símbolos, líderes ou divindades. E com o mundo de hoje, parece que a humanidade não encontra espaço em meio a tantos preconceitos e pensamentos antigos, Kobayashi provavelmente também percebeu que nós somos ainda materialistas e essa é uma das coisas que o diretor aborda, o apego do ser humano a coisas fúteis.

Nota: 10/10




Trailer:

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