sábado, outubro 5

Crítica: Faroeste Caboclo (2013)


Por Maurício Owada

"Um tal de João de Santo Cristo"

A música Faroeste Caboclo, de autoria do líder da banda Legião Urbana, Renato Russo, tinha uma letra com poucas rimas, uma duração extensa de 9 minutos e contava a trajetória de João de Santo Cristo, saído da pobreza para Brasília, se tornava um grande traficante, se apaixonava por Maria Lúcia e terminava sua história num duelo acirrado com Jeremias, traficante rival que acabava com sua vida. Um marco da carreira da banda, a faixa sete do álbum Que País É Este é lembrada até hoje pelo seus fãs pelo ritmo que lembrava um baião, um faroeste acontecendo em terrenos secos brasileiros.

A vinda de uma adaptação cinematográfica era sonhada por muitos: a história tinha potencial e trazia consigo uma jornada de um homem pela oportunidade, mas que é acompanhado pela violência desde criança. Aliás, a trama começa assim (pela primeira vez não preciso me preocupar com spoilers), onde João (Fabrício Boliveira) leva o derradeiro tiro de Jeremias (Felipe Abib), ao grito de Maria Lúcia (Ísis Valverde). A partir daí acompanhamos a vida dele e alguns flashbacks nos lembram quem era ele quando criança, os acontecimentos que o marcaram e os obstáculos por qual passou.

O que se pode esperar é numa ótima adaptação da canção, o roteiro de Victor Atherino e Marcos Bernstein reduz os excessos poéticos de Renato Russo e altera alguns fatos e rumos da trama, mas de uma forma ou de outra, o filme de René Sampaio consegue dar um rumo certo a história de João e sua direção vem acompanhado com um bom domínio de linguagem que acrescenta momentos muito bons, como a elipse temporal de João criança para a adolescência a partir do ponto de vista do balde de um poço - extremamente genial - e que demonstra toda a segurança de seu diretor em deixar o espectador a par da época em que se passa (anos 80) através de imagens de arquivo e por algumas músicas diegéticas que fazem parte do álbum Que País É Este como Tédio (Com Um "T" Bem Grande Pra Você). René acerta em fazer referência a diversos clássicos do cinema, sem jamais parar a trama, através de cenas e personagens, seja um Jeremias surtado a lá Tony Montana ou um duelo em um campo de futebol deserto de terra alaranjada que nos relembra dos clássicos western spaghetti, com direito a close nos olhos. 

A trilha-sonora é bastante variada e vai de rock punk, retratando a juventude da época regada a sexo e drogas, até Nancy Sinatra e sua famosa canção These Boots Are Made For Walking, contendo também alguns curtos acordes da música Faroeste Caboclo adaptada em momentos de romance entre João e Maria Lúcia. A fotografia abusa das cores quentes, dando destaque ao solo vermelho escaldante sob o Sol do Centro-Oeste brasileiro e da palidez de um nordeste morto pela miséria, e a direção de arte e o figurino acerta em conseguir reproduzir a época em que se passa o filme (e época em que a música foi composta).

O elenco é competente, Fabrício Boliveira encarna um João negro, com características negras, uma ousadia a parte da escolha de elenco, já que Renato nunca especifica exatamente esse aspecto da cor da pele do protagonista e o ator vive um personagem carregado de ódio e violência, caminho tortuoso escrito por suas ações impulsivas, já a atriz Ísis Valverde faz um bom trabalho, mas nada que realmente se destaque. Felipe Abib vive o típico traficante playboy Jeremias, personagem que abusa do pó e a atuação caricata de Abib cria um personagem vilão em essência, enquanto Antonio Calloni é um policial corrupto e sua atuação também é digna de um bom vilão, um tremendo canalha, na sua melhor definição. O uruguaio César Troncoso faz Pablo, primo de João que trafica maconha no canto pobre de Brasília e o trabalho do ator constrói um personagem carismático que se caracteriza pelo seu típico sotaque, que tem os melhores diálogos. E a última aparição do falecido ator e diretor Marcos Paulo, em um papel breve que lhe rende pouco tempo de atuação, em um personagem que não acrescenta muito a trama.

Faroeste Caboclo emula filmes de máfia e faroeste, apresentando um panorama de uma Brasil desigual social e racialmente, ambientado em sua capital. Mistura drama, romance e suspense em uma adaptação bem conduzida de uma canção popular, equivalente para o seu autor a Hurricane (canção de Bob Dylan sobre um pugilista que ficou preso inocentemente que realmente existiu), aonde o protagonista luta contra as injustiças em uma sociedade desigual de um país do qual Renato Russo se perguntava o que é.

Nota: 8,0/10,0




Trailer:

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