Por Kaio Feliphe
"Como uma doença terminal deixa um homem
mais humano."
A homossexualidade vem
se tornando um assunto forte na sociedade desde meados da década de 1980, muito
devido a ícones da cultura popular que, declaradamente, possuíam relações com
pessoas do mesmo sexo (como Freddie Mercury, no meio internacional, e Cazuza e
Renato Russo, aqui no Brasil). E um dos assuntos mais recorrentes nesse meio
era (e é) a AIDS, que, na época, era associada exclusivamente a homossexuais e
usuários de drogas injetáveis.
É com essa base que o
diretor canadense Jean-Marc Vallée sustenta
Clube de Compra Dallas [Dallas Buyers Club, 2013]. No centro da
narrativa está Ron Woodroof (Matthew
McConaughey), um eletricista texano que, na ignorância homofóbica que
reinava na época, curtia a vida usando drogas e tendo relações sexuais de
maneira desprotegida com várias mulheres, sem nem cogitar a ideia de contrair o
vírus HIV . Só que, ao ser diagnosticado como soropositivo, sua concepção sobre
o assunto muda inteiramente.
Vallée acompanha a
metamorfose ideológica de Ron de uma maneira interessante. A partir do
diagnóstico médico de que Ron tem apenas 30 dias de vida, o diretor guia o
espectador pelo tempo através de uma contagem regressiva para o que seria o
fatídico dia do protagonista. Mas, mais adiante no filme, Vallée usa esse
artifício como uma “vitória” do personagem, já que o prognóstico não se cumpre.
E essa “vitória” tem como ícone o clube que dá título à obra. O Clube de Compra
Dallas é um lugar onde pessoas portadoras do vírus da AIDS podem se associar e,
assim, conseguir medicamentos alternativos aos mais convencionais, que causavam
efeitos colaterais bastante graves. E é graças ao clube e seus remédios que Ron
continuava vivo.
Dali em diante, Clube
de Compra Dallas ganha um tom de filme-denúncia, principalmente contra as
grandes empresas farmacêuticas da época. Mas o grande cerne do filme é a redenção
de Ron Woodroof e a sua busca por sobrevivência. O cowboy que tinha aversão a homossexuais no início da história se
torna gradativamente um ícone na luta contra a AIDS e o preconceito, combatendo
de maneira firme as grandes empresas de remédios e também a homofobia de seus
antigos amigos, como ilustrada pela forte cena no supermercado, que retrata a
total transformação de Ron.
Essa evolução ocorre
de uma maneira muito gradual e natural, não se tornando piegas em momento
algum. Tudo isso devido ao grande trabalho dos estreantes Craig Borten e Melisa
Wallack, que escreveram um roteiro consistente e estruturado, que constrói
muito bem todos os personagens, dando-os profundidade e carisma, aumentando a
imersão do espectador na obra.
Tudo isso corrobora a
imagem de que Clube de Compra Dallas não é apenas um filme de atores. Claro que
as atuações de Jared Leto e,
principalmente, McConaughey são fantásticas (e que vão muito além da entrega
física dos dois; a carga psicológica que cada um entrega ao seu personagem em
cena é espantosa), mas isso não deveria ofuscar o bom trabalho do diretor (que
também é o editor do filme) e dos roteiristas.
Em tempos em que a
homossexualidade vem se tornando cada dia mais presente em nossas vidas,
quebrando tabus e preconceitos, Valleé faz com o seu Clube de Compra Dallas um
trabalho que merece destaque, mostrando que essa árdua luta vem de muito tempo
atrás; e, pelo o que vemos hoje em dia, ainda está longe de terminar. Mas ainda
há esperança. Afinal, se Woodroof mudou completamente, por que outras pessoas
não podem também?
Nota: 7.5/10.0
Trailer:
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