quarta-feira, fevereiro 12

Crítica: O Ato de Matar (2012)



Por Maurício Owada

"A violência real/surreal"

Pouquíssimos filmes lidam com a maldade humana, às vezes, de forma tão intimista e impactante, seja nos documentários ou nas ficções. Países que passaram por processos de ditadura, seja militar ou comunista, com jornalistas e opositores políticos sendo censurados, perseguidos, torturados, humilhados e assassinados. A América Latina transitou por um período de anti-democracia e crimes contra a humanidade por ideologias políticas, assim como a Ásia se mantém em muitas ditaduras, as mais conhecidas são a da China e Coréia do Norte comunista, tudo fruto da Guerra Fria e a disputa entre a ideologia liberalista e capitalista dos Estados Unidos e o comunismo da União Soviética. Um dos países que teve sua estrutura política abalada foi a Indonésia, que após o golpe militar em 1965, teve milhões de pessoas acusadas de atividades comunistas sendo perseguidos e mortos, além de todo o resto que foi citado no começo deste parágrafo. Com o regime ainda intacto, antigos torturadores e assassinos andam livre e impunes até hoje num país oprimido por um governo autoritário e gângsters locais que abusam nas taxas de "proteção".

O documentarista estreante Joshua Oppenheimer acompanha a vida desses assassinos confessos que admitem e justificam suas ações no passado, com a certeza de que nada de mal lhes acontecerá. Acompanhando a rotina dessas pessoas e vida que levam, Oppenheimer age ali como uma mão neutra, mas não menos provocadora, levando em conta o propósito do diretor em desafiar os próprios genocidas a reencenarem seus atos em um filme, o argumento original serve pra destrinchar a natureza humana, focando na banalização da maldade e é em Anwar Congo, líder paramilitar da época reverenciado como herói nacional que executou milhares de pessoas, que o projeto se apoia, principalmente por ser o mais multifacetado de todos os genocidas e sendo aquele que fica a cargo da direção e protagonização da obra que retratará os seus atos "heróicos".

Um dos pontos mais interessantes do retrato de uma Indonésia desigual e oprimida é a influência de filmes americanos para os torturadores, muitos deles mafiosos locais que ganhavam dinheiro com os cinemas que exibiam sucessos comerciais hollywoodianos, não só nos gêneros que decidiam explorar numa filmagem, como nas próprias execuções e no jeito de se vestirem. Levando em conta que os próprios norte-americanos levavam adiante sua publicidade de melhor país do mundo, o american dream e o american way of life, ilusões de vida confortável e até mesmo ostentação que causavam grande furor em vários países e determinou certas políticas.

Através de um não-intervencionismo e uma permissividade incomum que chega a ser impactante devido as entrevistas e os momentos tensos como uma cobrança abusiva dos tais reis do local que constrange comerciantes chineses diante da câmera ou uma conversa descontraída e nostálgica sobre estuprar moças de vilarejos e a preferência deles de quais tipos de meninas gostam de violentar. É esse olhar que deve ter exigido um certo estômago e exige de nós também que retrata o absurdo de que até que ponto uma maldade é banalizada e justificada, certamente com argumentos convenientes e pouco consistentes.

O ponto alto e conflituoso é Anwar Congo (o "personagem" mais interessante do documentário) no papel de avô que pede para o neto não machucar o patinho e para pedir desculpas com o pretexto de quem foi sem querer e isso reflete de forma absurda em seu final, entre o temido genocida e o homem de família, essas duas facetas só nos mostram que ela está impregnada não só na Indonésia, mas também por todo canto, ainda mais quando justificamos hoje em dia massacres por um bem-estar de uma minoria privilegiada e sim, estou falando daqui também.

Nota: 10,0/10,0




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