quarta-feira, setembro 12

Crítica: Cidade de Deus (2002)


"Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come."

A frase dita em off pelo protagonista sintetiza uma realidade que é mostrada no filme, muito comum para quem vive na periferia de grandes metrópoles do Brasil, neste caso, o Rio de Janeiro.



Apesar de iniciativas recentes da segurança pública, como a tomada do Morro do Alemão e a expansão da Polícia Pacificadora, muitos dos problemas sociais do país da "alegria, do futebol e do carnaval" não deixaram de existir mesmo após de dez anos depois do lançamento do filme Cidade de Deus, que ambientava no (ainda) conjunto habitacional que dá nome ao título que surgiu em meados da década de 1960, um lugar fora do cartão postal carioca, que se tornaria uma favela mais adiante com o passar dos anos.

Cidade de Deus é um marco do cinema nacional, tanto em quesitos técnicos quanto para a imagem do nosso cinema e como ela começou a ser vista lá fora, elevando o nome de seus realizadores, principalmente a do cineasta Fernando Meirelles e da atriz Alice Braga no seu primeiro papel em um longa, que faria trabalhos posteriores em Hollywood.

O filme em si é uma obra-prima, e esses títulos só se dá aos filmes que sobrevivem ao tempo, e uma década é o suficiente para colocá-lo nesta posição. A história mostra Buscapé e sua trajetória em rumo a uma vida estável, com o mínimo de dinheiro e de futuro, e acompanhamos também as sub-tramas (a ascensão de Zé Pequeno e a sua rixa com Mané Galinha) que se conectam no final em um roteiro que consegue apresentar muitos personagem em uma narrativa concisa e coerente, que vai e volta no passado para contar outras histórias que, em conjunto, constroem toda a história de Cidade de Deus.

Buscapé (Alexandre Rodrigues)
Apesar de Fernando Meirelles ter feito um excelente trabalho por sinal, um dos elementos que completa as qualidades do filme são as atuações, a grande maioria do elenco é composta de pessoas que moravam em favelas, e a naturalidade com que eles atuavam é graças a Kátia Lund, codiretora do filme que tinha bastante conexão com as comunidades e as trouxe junto ao processo de produção, lançando muitos atores até então amadores no mercado, como Darlan Cunha, Douglas Silva, Thiago Martins, Leandro Firmino, e aqui seu trabalho é reconhecido pelo trabalho que fez com os atores, que impressiona pela naturalidade entre os jovens atores vindos de comunidade, onde apenas os mais experientes são formados por Matheus Nachtergaele e Gero Camilo, e Seu Jorge que além de compor uma faixa da trilha-sonora, ainda faz uma ótima atuação.



A fotografia destaca oras cores quentes, oras cores frias, sempre com o uso de sombras bastante contrastantes, ambientando um lugar deprimido e oprimido pelo crime e pela injustiça social que acerca aquela população. O uso da câmera é excelente, com ângulos interessantes e movimentos que concilia todo o ritmo com a edição, que juntos, dão todo um ritmo frenético mas jamais apressado, em uma linguagem aproximada a dos comerciais e videoclipes, complementado com uma trilha-sonora voltada ao samba, funk e soul, seja nacional ou mesmo internacional, dando toda uma pegada mais pop e fugindo do clima pesado e pessimista de outros filmes que já trataram deste mesmo tema.

O roteiro de Bráulio Mantovani, que teve sua construção auxiliada por Kátia Lund (não-creditada no roteiro) aborda não só o lado do crime, mas dos problemas sociais com uma abordagem mais aprofundada e não tão generalizada como a do Tropa de Elite, graças a uma trama intrincada que não mostra uma realidade do ponto de vista de quem está dentro da marginalidade, mas de quem acompanha, presencia e é vítima dela, tal situação representada pelas lentes da câmera de Buscapé que sonha em ser fotógrafo, mas sua condição socio-econômica o impede de seguir o sonho, chegando a flertar com o crime. Os diversos personagens formam uma gama de perfis que fazem parte da realidade de uma favela, o menino que entra na vida do crime, um homem que entra em uma guerra entre gangues por motivos pessoais, um garoto que quer vingar a morte do pai, entre outros que dão continuidade ao ciclo vicioso de violência em Cidade de Deus.

Cidade de Deus é um divisor de águas, mesmo que posteriormente o cinema nacional tenha produzido algumas obras ruins e medíocres, e poucas experiências mais interessantes e surpreendentes, atraiu a atenção do mundo ao nosso cinema (ainda) em desenvolvimento. Cidade de Deus é um filme cuja qualidade faz jus ao cinema internacional, e mostra que temos capacidade de construir grandes filmes, uma obra-prima de grande valor para o cinema tupiniquim.

Avaliação: 10/10

Trailer:



3 comentários:

  1. É sem dúvidas um dos melhores filmes da retomada e talvez ainda seja o melhor trabalho de Meirelles. Deu até vontade de rever. Abraço.

    http://espectadorvoraz.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  2. Na minha opinião, o melhor filme da história do cinema brasileiro.

    Abraço

    ResponderExcluir
  3. Da nova fase do cinema brasileiro, este é o melhor se dúvida!

    ResponderExcluir

Aqui é o seu espaço, pode deixar seu comentário, sugestão ou crítica que logo iremos respondê-lo!