Informações obtidas em pesquisas
na internet dão conta que essa seria a 42ª adaptação da obra de Hugo que ganha
às telas. Impossível afirmar então com precisão se essa seria uma das melhores
ou uma das piores. Eu mesmo vi somente quatro antes dessa. E também temos de
levar em consideração que toda adaptação se constrói sobre uma simbiose frágil
entre o ponto de vista sobre uma obra e a fidelidade ao autor. A favor de
Hooper conta o fato que Hugo inspira, mas ele (o diretor) se vale de uma obra
que se inspirou no romance. O musical composto por Claude-Michel Schönberg com
libreto de Alain Boublil e letras de Herbert Kretzmer. Coube a William Nicholson dar forma ao
roteiro cinematográfico. Quando adentrei
ao cinema, aguardava algo bom e não temia pelo pior. E o filme me recompensou.
Das versões que assisti a melhor adaptação do romance de Hugo (não fidedigna –
o livro é gigante e dificilmente uma obra levada ao cinema ou teatro consegue
ser fiel ao romance que o inspira). Mas “Os Miseráveis” está lá, sua essência
ali permanece.
Sabemos que Hugo se valeu de suas
memórias sobre a França e sua história para escrever o livro. Ele se encontrava
exilado fazia mais de uma década e recriou sua Pátria (sobretudo Paris)de forma
brilhante. Lógico que sobre a tela não veremos muito do detestável,
Difícil falar dessa obra sem se
remeter a obra anterior de Hooper. Lá também ele havia decidido pela escolha do
íntimo, mostrando o mundo exterior e seus rumores dentro de uma atmosfera
acolchoada já que não havia um contato direto com a população. Um Palácio
desértico, com habitantes como que perdidos, isolados naquela imensidão. Aqui também
em “Os Miseráveis” o homem é que está no centro. Mais o universo que o cerca,
apesar de grandioso, não o diminui. Desde a cena inicial, é o homem que está no
centro do grandioso. É o homem que se torna o senhor do seu destino, e aceita o
comandar. É isso que pregava Hugo. Então respeitando o musical, Hooper o reivindica,
permite que o homem comande o espetáculo. A angústia, a combatividade, a
coragem, o amor proclamado em canções e sublimado nas atitudes, filmados numa
série de close-up e em canções sendo não somente cantadas, mas interpretadas,
sentidas no seu sentido literário reforçando a característica da Universalidade
e intemporalidade da obra de 1862.
Antes de se valer dos movimentos
de câmera grandiloquentes e permanentes para dar uma ilusão de sentido e para
antecipar assim qualquer acusação de simples teatro filmado, o diretor
compreendeu que era nas almas que se centralizavam todos os combates de cada personagem
(não somente aqueles restritos a barricadas), mas isso não o impediu de ir para certos planos mais largos, na mesma
proporção mais magnífica e significativa que eles são de uma raridade avisada
as vezes de um sopro épico e de uma beleza arrebatadora.
È puramente cinematográfica algumas cenas, sem ao menos lembrar qualquer influência teatral, como exemplo
aquela onde um Jean Valjean recém-liberto vaga pela amplitude de uma montanha
gelada meio desnorteado.
Convém, no entanto lembrar que o
diretor mais do que criar cenários puramente fincados num realismo, preferiu a
força do verbo alavancado pela busca de um realismo poético, que bebeu nas
fontes de uma teatralidade aceita e reivindicada para nos brindar com uma
poesia sombria adornada pelo domínio das cores azul, branca e vermelha com que
os personagens preencem a tela.
Logicamente que os puristas irão
questionar certas liberdades tomadas com relação ao romance. Valjean não ficou
cumprindo a pena nas Galés, mas sim numa prisão. Um contramestre ao invés de
uma freira puritana é que coloca Fantine na rua; Javert a prende (Fantine) por uma agressão
física, quando o que ocorreu no romance foi devolver uma bola de neve que a
feriu no peito. O pai de Marius acredita-se tenha sido salvo em Waterloo por Tenardier;
Valjean e Cosette já viviam em Paris e
quando Javert os descobrem é que irão por acaso se esconder no Convento da Rua
Picpus. Poder-se-ia citar outras tantas liberdades, mas isso não vem ao caso. A
realidade é que a essência do livro ali se encontra (como no filme de 1952, que
é inferior a esse).
A força épica de uma obra que jaz
esquecida é que comanda o filme. E quem sabe não trará novos leitores que
aceitem a recompensa de encarar esse escrito. Hooper coloca o embate entre o
homem que busca a redenção (Jean Valjean) e o outro que não acredita que as
pessoas possam mudar (Javert). Mas não é só isso que vemos na tela. O perigo
está ao redor de cada ser. Sobretudo aquele que nasce dentro de si próprio. E
quando Javert crê poder estar errado, mostrando que a Lei levada a ferro e fogo
é falha, esse tomba definitivamente (mostrando que todo fanatismo traz sérias
consequências). Mais existem outros embates que não deixam de ser citados: O
combate a miséria física, mas também o combate a miséria moral que permeia
todas as classes sociais. O combate entre o amor e o dever social (para
Marius). O combate dos amores contrariados (que assola Eponine).
Hooper assina uma obra corajosa e
ousada na sua feitura. Ao optar por se manter fiel a crença de que a força das
palavras cantadas e sentidas por quase 3 horas arrebataria o público.
Esqueceu-se que esse público não está talvez habituado a tamanha ousadia. Mas
cá entre nós, isso é uma falha? Então deveríamos continuar a dar tudo mastigado
sem despertar nas almas a necessidade de se burilarem. Victor Hugo escreveu tal
romance faz 150 anos. Na época foi criticado por se valer em certas passagens
de uma linguagem popular. Não posso crer que ocorreu uma involução em um século
e meio. O que não pode ocorrer é se servir ao Deus consumo.
PS
Dedico esse escrito a Rede
Cinemark. Assisti a esse filme dia 11/02/2013 no Boulevard Tatuapé. Cheguei à
bilheteria às 11h30min. Havia uma fila considerável e apenas uma caixa
atendendo. Consegui colocar as mãos no ingresso as 12h06min. Corri esbaforido
e quando adentrei na sala os letreiros já desciam. Felizmente não era só
Valjean que ficaria livre dentro de segundos. De certa forma com o filme eu
também me livraria daqueles que tratam todos de forma
desrespeitosa. Ao final da Sessão busquei a Gerência para reclamar (o mesmo pediu
que quando fosse novamente ao Cinema o procurasse). O mesmo confirmou que só
existe mesmo um caixa naquele horário. Que a Rede Cinemark coloque então aviso
em seu site informando que seus clientes devem chegar com mais de 1 hora de
adiantamento para as primeiras sessões. Tenho certeza que se eu tivesse me
dirigido a um boteco para beber doses mil de aguardentes ou a um Ponto de Droga
com o objetivo já conhecido seria atendido prontamente. Na Rede Cinemark os que buscam a
Cultura são atendidos assim. Em que mundo vivemos?
Nota: 8,5/10
para mim, é um dos melhores musicais de todos os tempos. com certeza, está no meu top five.
ResponderExcluirum filme bem cantado, e ironicamente dirigido com sutileza e grandeza por Hooper.
e Hathaway.. aah!!