Por Maurício Owada
"Uma aula de narrativa da relação do espectador e autor"
Desde que Flaubert instaurou o Realismo na literatura com
seu polêmico romance Madame Bovary,
nunca mais a intimidade das pessoas foram vistas com os mesmos olhos. Com seu
olhar irônico, ele derrubava todos os velhos valores da burguesia através da
história de uma dona de casa entediada que encontra no adultério, o refúgio de
seus desejos mais reprimidos pelas convenções impostas pela sociedade. Já no
século XX, Alfred Hitchcock fez uma
de suas maiores obras-primas: Janela
Indiscreta (Rear Window, 1954), um fotógrafo que vive perigosamente que fica paralisado por
causa da perna quebrada e com suas grandes lentes, espia a vizinhança até o
momento em que “percebe” que uma mulher poderia ter sido assassinada pelo marido.
Em Dentro da Casa (Dans la Maison), o filme conta a história de Germain (Fabrice Luchini), um professor de
francês cansado da rotina e que reclama constantemente, até que corrigindo
algumas redações sobre o fim de semana de cada aluno, uma delas escrita pelo
aluno Claude Garcia (Ernst Umhauer),
conta sobre sua passagem na casa de um amigo chamado Rafa e as impressões
sobre sua família, se adentrando na intimidade daquela família de classe-média,
deixando um (continua...) no final. A
partir dali, o professor de literatura se torna um leitor ávido,
que pouco a pouco começa a se envolver diretamente naquela estória que era
descrita de texto em texto, simplesmente para continuar a ler.
Baseado na peça de Juan
Mayorga, o modo como François Ozon
trabalha com a metalinguagem é de uma sutilidade e criatividade sem igual, ao
mesmo tempo em que ele expõe aquela ficção/realidade escrita como um folhetim
por Claude, é interessante o modo como brinca com o espectador e deixa em dúvida
até onde aquilo é verdade ou fictício; enquanto que Germain é apenas o espectador,
passivo perante os acontecimentos da casa narrados pelo seu pupilo a escritor. Temos apenas o olhar distante, mesmo que invasivo (olhar pelo buraco da fechadura), e deixa claro em uma passagem
quando Germain e sua esposa Jeanne (Kristin
Scott Thomas, linda em uma atuação excelente e minimalista) estão no cinema
e a câmera foca a luz do projetor e corta para a estória contada em off por Claude.
Assim como ele lida a relação do espectador/obra/autor como
uma análise para o cinema, não faltam menções a literatura, de autores como La Fontaine e principalmente Gustave Flaubert, e quem já leu Madame
Bovary (tanto a obra quanto sobre ela) perceberá semelhanças com os textos
escritos por Claude, em episódios (assim como Flaubert fez com sua obra
antes de lança-la em livro), em uma trama que envolve a esposa entediada com a
rotina que flerta com um rapaz mais jovem, “personagens” com desejos reprimidos
e frustrados em questões demasiadamente particulares, por trás da fachada de
uma família feliz e normal, através de um olhar intimista, porém sarcástica e em certos momentos, até cruel.
Fabrice Luchini e Ernst Umhauer estão espetaculares como o
espectador/mentor e autor/aluno, e torna crível esta relação onde há uma troca
mútua de conhecimentos, onde deixa explícito algumas passagens que permeiam a
visão de Claude de sua leitura daquela típica família burguesa, mas para o
espectador em si, nós somos os alunos e espectadores de uma fantástica aula de
cinema e narrativa.
No fim, François Ozon fecha as cortinas para aquela
história, onde se chega a um desfecho e seus personagens tem os seus conflitos
resolvidos e seguem seus rumos, mas deixa aberto para cada um que assiste uma
casa para contar sua própria história.
Trailer:
Filme absolutamente brilhante. Ozon em grande forma.
ResponderExcluirVou nem dizer que fiquei curiosíssimo para ver!
ResponderExcluirAcabei de ver!!!! Fantástico demais como Ozon narra seus personagens, cria uma atmosfera que nega todas as possibilidades criadas antes.
ResponderExcluirQue ano foi esse de 2012, para o cinema hein!!! Queremos mais !