Por Kaio Feliphe
“Amar está nos pequenos detalhes.”
Amour, Liebe, Love, Amore, Grá, Diliges, αγάπη, ラブ, Kjærlighet...
Palavras estranhas, não? Bem, se você fala
algum idioma além do português, deve saber o significado de algumas delas. Ou
melhor, dela. Sim, todas elas expressam a mesma coisa, ou tentam, pelo menos,
já que uma coisa tão complexa não pode ser expressa em poucas letras. Estamos
falando do Amor.
Desde o início dos tempos, o ser humano tenta
ilustrar esse sentimento tão natural e selvagem de todos os seres vivos pensantes
do planeta. Alguns dizem que amar é se declarar de modo mirabolante a alguém, é
gastar rios de dinheiro em presentes; feito por duas pessoas perfeitas que, num
estalar de dedos, estão profundamente apaixonados um pelo outro.
Mas amar não é isso. Amar está nos pequenos
detalhes. Está em conversar durante horas e horas sobre absolutamente nada e
não ver o tempo passar; está em sorrir para a pessoa e ter o seu sorriso
retribuído; está quando você apenas contempla os simples movimentos, como uma
ajeitada no cabelo ou coisa parecida; e está quando você simplesmente tem
vontade de fazer e faz algo que nunca passaria por sua cabeça.
E é exatamente isso que acontece em Antes do Amanhecer (Before Sunrise, 1995). Dois jovens que nunca se viram na vida,
Jesse (Ethan Hawke) e Céline (Julie Delpy), começam a conversar em um
trem no meio de uma viagem pela Europa. Conversa vai, conversa vem, os dois vão
se conhecendo, vão se dando bem e, como num piscar de olhos, uma ideia louca
surge no meio do papo.
“Jesse: Ok, acabei de ter uma ideia
completamente maluca, mas se eu não te perguntar, isso vai me assombrar pro
resto da minha vida.
Céline:
O que?
Jesse:
Hm... Eu quero continuar falando com você, sabe? Eu não tenho a mínima ideia da
sua situação atual, mas eu sinto que a gente tem um tipo de conexão. Certo?
Céline: É, também acho.
Jesse: É, legal. Então, o negócio é o
seguinte. Isso é o que a gente devia fazer. Você devia descer desse trem comigo
aqui em Viena e dar um passeio pela cidade.
Céline:
O quê?!
Jesse:
Vamos lá. Vai ser divertido.”
Agora ponha-se no
lugar dela. Você iria? É uma pergunta difícil de se responder, já que agora
você tem todo o tempo do mundo para responder, mas no calor do momento, você
realmente gostou da outra pessoa, é uma oferta tentadora. Mas, mesmo assim,
Céline estava indecisa, já que era um cara totalmente estranho que ela tinha
conhecido há poucos minutos, porém Jesse a fez uma proposta que ela não poderia
recusar (piadinha cinéfila).
“- Imagine daqui a 10
ou 20 anos, você já casada, só que seu casamento já perdeu aquele encanto.
Começa a culpar seu marido. Começa a pensar em todos os homens que conheceu e o
que teria acontecido se tivesse se casado com um deles. Eu sou um deles. Veja
isso como uma viagem no tempo. Do futuro ao passado. Assim você veria o que
teria perdido. Seria um grande favor para você e para seu futuro marido,
perceber que não perdeu nada, pois eu também sou um idiota. E você verá que fez
a escolha certa e está feliz”.
Céline aceita e, a partir daqui, os dois vão se aventurar em
uma das mais belas e mais bem contadas fábulas de amor do Cinema.
Olhando superficialmente, parece uma história bem simplória,
boba até. Dois jovens vagam pela cidade durante a noite e se apaixonam. Mas não
é assim que o amor surge? Das situações mais banais que se pode imaginar? Na
verdade, esse é o ponto forte do filme, a “banalidade”. A simplicidade de tudo.
Desde o roteiro cheio de conversas sobre nada até a direção básica e perfeita,
ambos de Richard Linklater, grande
cineasta independente dos anos 1990.
Um momento que me vem à cabeça ao falar da direção de
Linklater é o primeiro beijo do casal na roda gigante. A decisão mais fácil
seria mexer a câmera de várias maneiras, ou fazer um plano panorâmico dos dois,
com o pôr-do-sol ao fundo e uma música melosa tocando. Mas a decisão do diretor
foi a mais perfeita possível, um close no beijo do casal. Só. Sem música, sem
movimentação ou corte de câmera. Apenas o beijo. São nesses pequenos momentos
que o filme se diferencia dos demais.
E, claro. Não se pode deixar de falar da atuação dos,
praticamente, únicos atores do filme. Ethan
Hawke e Julie Delpy. Hawke é o jovem
outlaw, sem responsabilidade, sem
rumo; características que lembram James
Dean em Rebelde Sem Causa (Rebel Without a Cause, 1955). E Julie é
a menina doce, insegura, paranóica e, ao mesmo tempo, normal. Aliás, a aparência
de Delpy casa muito bem com a personagem. A atriz não tem uma beleza
estonteante que deixa qualquer um de boca aberta, longe disso. Delpy tem uma
beleza, de certa maneira, comum, mas apaixonante. É impossível não se sentir
cativado por ela.
Essas duas personalidades se juntam de uma maneira perfeita.
São como duas peças de quebra-cabeça que se encaixam e, se fossem diferentes,
não se ajustariam do mesmo jeito.
Mas o que parecia perfeito encontrou o seu invencível vilão:
o tempo. A noite mágica tinha acabado e era hora de dizer adeus. Os prantos da
despedida na estação são duros, amargos. E não só pra eles, mas para os
espectadores também. É difícil ver um amor tão puro, que vimos nascer,
simplesmente acabar. Ou não, já que os dois decidem se reencontrarem no mesmo
local seis meses depois. Mas será que eles arriscariam mais uma noite? Será que
se reencontrar não acabaria com o encanto dessa bela noite de 1995? Essas
perguntas ficam sem resposta (pelo menos nesse filme), mas nada nos impede de
imaginar.
Linklater matou a charada. Viu que o amor está nos pequenos
detalhes. E mais que isso, escreveu e filmou de uma maneira que capte tudo
isso. Com certeza, Antes do Amanhecer
está entre os melhores filmes da década de 1990 e, por que não, entre os
melhores romances da história.
Nota: 8.5/10.0
Trailer:
Excelente sua critica, eu adoro esse filme e tenho um carinho enorme por ele, sem dúvida um dos melhores filmes do ultimos 20 anos e o melhor do seu gênero com toda a certeza, uma obra prima profunda e reflexiva...Abraço..
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