domingo, março 3

Crítica: A Hora Mais Escura (2012)


Por Kaio Feliphe

É ACONSELHÁVEL QUE A LEITURA DO TEXTO
SEJA FEITA DEPOIS DE VER O FILME

"A consolidação do estilo de Bigelow."

Desde os primeiros segundos de projeção, Kathryn Bigelow já deixa clara a sua intenção com o seu novo filme A Hora Mais Escura (Zero Dark Thirty, 2012). Antes de tudo, um aviso: “Esse filme é baseado no relato em primeira mão de eventos reais”. Aqui, a diretora já deixa claro que o filme não é fundamentado no que é dito pela mídia, ou o que os militares de alto escalão contam para o povo. Não. Ele é baseado em relatos. Ou seja, de quem realmente viveu aquilo, dia e noite. Depois disso, uma pequena introdução onde não se vê nada, apenas escuta-se gravações de telefonemas das pessoas que estavam nos aviões sequestrados nos atentados terroristas em 11 de Setembro de 2001. Esses poucos momentos são a melhor introdução que esse filme poderia ter. Não usa imagem alguma, apenas as vozes desesperadas diante da morte iminente, clamando para que algo aconteça e salve a vida deles. Isso causa angústia no espectador, pois sabemos qual foi o fim de cada uma daquelas vozes, de cada uma daquelas famílias.

Após dois anos, o governo já tinha um alvo, Osama Bin Laden. E é a partir daí que o filme acompanha “a maior perseguição a um homem na história”. Logo de cara, Bigelow nos mostra como o exército dos EUA fazia para conseguir as pistas que queriam, utilizavam a tortura. A tortura de seus presos foi uma das características do mandato de George W. Bush mais criticadas pela política internacional. Mas, entre os americanos, essas medidas dividiam opiniões. E, por isso, A Hora Mais Escura causou uma certa polêmica na terra do Tio Sam. As cenas de tortura são extremamente realistas, o que pode causar incômodo em uma pessoa mais sensível. Mas intenção de Bigelow com essas cenas é louvável, escancarar o modo sádico que os militares da época trabalhavam. O problema é a execução. Dan, o personagem de Jason Clarke, é completamente estereotipado. Ele é o agente bonitão, barbudo, que consegue as informações que quer, que introduz a mocinha ao mundo dele e, de certa forma, a protege. Isso o deixa unidimensional, não ajudando na narrativa. Outro problema é a extensão dessas cenas. A primeira hora do filme é excessivamente longa exatamente por causa disso. São, aproximadamente, trinta minutos de tortura. Chega um momento que fica saturado, soando gratuito.

A partir que Dan perde foco no filme, o centro das atenções vai para Maya, personagem de Jessica Chastain. Fica clara a evolução psicológica de Maya durante a projeção. No início, ela se incomoda com as cenas de tortura, esconde o rosto. Porém, aos poucos, ela vai se transformando, ficando completamente obcecada pelo seu objetivo, fazendo com que toda aquela repulsa suma (ela até coordena uma sessão de tortura). A causa dessa evolução já foi estudada por Bigelow em seu último filme, Guerra Ao Terror (The Hurt Locker, 2008). O efeito da guerra no ser humano e, principalmente, o pós-guerra. O que fazer quando ela acaba.

(A partir daqui, o texto contém spoilers sobre Guerra Ao Terror. Então, se não viu o filme, é aconselhável que pare a leitura.)

No filme de 2008, o Sargento William James (Jeremy Renner) amava o que fazia. Amava aquele ambiente estranho e hostil. Tanto que ele não aguentou viver uma vida normal depois que voltou pra casa, ele teve que voltar ao seu “habitat natural”. Já em A Hora Mais Escura, Maya não ama o que faz ou o ambiente de trabalho, ela é simplesmente obcecada por seu objetivo, ela quer terminar o que começou. E essa obsessão que chega a ser cega é muito bem representada pela atuação de Chastain. Segura quando tem que ser, emotiva quando tem que ser e exaltada quando tem que ser. Mas algumas decisões no roteiro de Mark Boal tiram o brilho do personagem. A vontade de criar frases de efeito (“I’m the motherfucker that find this place, sir.”) e cenas completamente desnecessárias que quebram o clima tenso que Bigelow emprega, como aquelas cenas completamente non-sense em que ela escreve no vidro do escritório do seu chefe.

O auge do filme chega quando, finalmente, é encontrado o esconderijo de Bin Laden. A construção da operação e a realização em si são um trabalho de direção e montagem perfeito. Bigelow filma muito bem, construindo uma tensão crescente em cada cena, que também é ajudado por decisões muito inteligentes dela. O não uso de trilha-sonora e mostrar a operação com a câmera em visão noturna ajudam a aumentar a sensação de realidade. Outra decisão muito boa foi que, em nenhum momento, o rosto de Bin Laden e do ator que o interpreta é mostrado na tela. Até mesmo quando ele é encontrado e morto. Isso ajuda ainda mais no realismo porque, por mais parecido que o ator seja, saberíamos que não é ele. Não mostrá-lo faz com que as imagens dele capturado que vimos na mídia retornem às nossas mentes. Até acreditamos que aquilo é verdade.

Depois da missão cumprida, Maya volta para casa. Essa é a sequência mais simbólica do filme. Maya senta sozinha no avião, o piloto pergunta para onde ela quer ir e ela não responde. Fica simplesmente sentada, emocionada. Depois da obsessão, ela não tem mais o que fazer. Sente-se o vazio dentro dela. Uma singularidade em relação a Guerra Ao Terror. Boal e Bigelow foram mais “bondosos” com James, porém com Maya foram bem mais “cruéis”. Enquanto um termina feliz, no lugar a que pertence, a outra não tem rumo, não se sente completa mesmo com seu objetivo alcançado. Um final bem forte, que contrasta com os finais mais bonitinhos de outros filmes do gênero.

A Hora Mais Escura não chega a ser tão bom quanto seu antecessor, mas Bigelow vem construindo um estilo próprio de filmar dentro do gênero. Um estilo mais frio e real, em que o homem é mais importante que a guerra ou o seu objetivo. Nesse trabalho, a diretora cometeu alguns deslizes que não fez em Guerra Ao Terror, o que diminui o filme. Mas isso não impede dela ser uma das mais competentes da atualidade e que A Hora Mais Escura seja um bom filme. Não ótimo, como tinha potencial para ser, mas bem acima da média.

Avaliação: 7.5/10




Trailer:

3 comentários:

  1. A Jessica Chastain merecia o Óscar com este filme. Que actriz fantástica! Achei o filme bastante interessante mesmo.

    Sarah
    http://depoisdocinema.blogspot.pt

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  2. A cena que a Chastain escreve no vidro do chefe não seria para lembra-lo os dias de demora para "estourar" o suposto "esconderijo"????? É non sense????

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  3. Eu acho que Mark é um bom ator e eu quero ver seu novo filme e sua nova série união.

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