Por Maurício Owada
"Eu não quero sobreviver, eu quero viver - Solomon Northup"
Sem o ufanismo da figura pública de Lincoln (idem, 2012) e o banho de sangue de Tarantino em Django Livre (Django Unchained, 2012), o diretor Steve McQueen lança seu olhar humanista e agoniante da condição humana no contexto da escravidão nos EUA, antes da Guerra Civil Americana. Baseado no livro escrito pelo próprio Solomon Northup, um homem negro livre que foi sequestrado de onde vivia em Nova York e levado com outro nome - Platt - para o Sul e vendido como escravo.
Solomon foi um homem que lutou pela abolição, após sua libertação de 12 anos de trabalho forçado, castigos, abusos e solidão e quem o interpreta durante esses longos de anos de sofrimento é o ator britânico Chiwetel Ejiofor, numa atuação de pura entrega que comove imensamente. Com uma montagem sutilmente não-linear, ele mostra a vida de cidadão livre vivido pelo personagem e as correntes que o prendem nas senzalas, dividindo o seu espaço com outros negros, que surgem de cantos diferentes e cada um com sua própria história e cada um reage ao seu modo quando é capturado, seja caindo aos prantos ou usando de suas habilidades para sobreviver.
O excelente roteiro de John Ridley não ameniza o sofrimento e as situações de vida ou morte que os personagens passam e a perversidade no tratamento aos negros apenas por achá-los inferiores, expõe a ignorância ou orgulho, bastante exposto nas atuações de Paul Dano, o capataz da fazenda de William Ford (Benedict Cumberbatch) que se sente intelectualmente superado por Platt/Solomon e Michael Fassbender como o violento e paranóico fazendeiro Edwin Epps, que possui uma doentia obsessão por Patsey, num trabalho também excelente de Lupita Nyong'o e Brad Pitt, produtor do filme, que aparece em uma pequena, mas importante participação na trama. A cena da Bíblia como argumento para os castigos aos escravos demonstra, assim como a aula de ciência macabra de DiCaprio em Django Livre, o uso de teorias, dogmas e crenças para justificar tratamentos desumanos que realmente ocorreram, como o darwinismo social.
Steve McQueen não conta uma história de superação de anos de sofrimento, o diretor retrata o ser humano nas condições mais precárias e terríveis possíveis, a mercê dos atos de homens que empunham o chicote e açoita não só o corpo, mas também a alma daquelas pessoas que só procuram um pouco de dignidade. As mãos calejadas, as costas rasgadas e o corpo cansado desses homens, mulheres, velhos e crianças tentam encontrar nos pequenos momentos como uma forma de tentar amenizar aquela realidade.
12 Anos de Escravidão (12 Years a Slave) não se baseia em discussões raciais ou sociais para mostrar os males da escravidão, pois a vida desses negros escravos já é o suficiente - são seres humanos, como diz o personagem de Brad Pitt e se é algo que já não precisava ser dito naquela época, cujo racismo era influenciado por uma cultura de superioridade impregnada nas sociedade, é impressionante que ainda, em pleno século XXI, velhos preconceitos retornem na base da religiosidade como argumento da realidade, não só nos parâmetros raciais, mas também de orientação sexual, religioso etc... e ainda precisamos dizer que eles (e nós) são seres humanos.
Nota: 9,5/10,0
Trailer:
O filme é uma pérola do cinema!!!! Sensacional!
ResponderExcluirÉ um filme que cresce durante e após a sessão. Poderoso e conciso. As cenas do estrangulamento e das chibatadas são um achado (que mise-en-scène!). O único porém é a trilha-sonora, que soou um pouco deslocada. Mas é realmente um belíssimo filme. McQueen veio pra ficar.
ResponderExcluirConcordo com a trilha, isso que estamos falando de Hans Zimmer, mas que sinceramente, nem precisava de uma trilha-sonora, o silêncio em si já era o suficiente
Excluir