quinta-feira, janeiro 30

Crítica: Ela (2013)


Por Maurício Owada

"Spike Jonze mostra que se existe amor material ou virtual, 
a autenticidade das emoções é relativa"

Em um futuro não muito distante vive Theodore (Joaquin Phoenix), um homem que relativamente não está de bem com a vida, anda deprimido e isolado do mundo e de seus amigos, que escreve cartas de amor encomendadas de remetentes para certos destinatários, já que outras pessoas não sabem se expressar bem. Ele é admirado pelo seu colega de trabalho pela tamanha sensibilidade com que as escreve; no entanto, a felicidade que tinha outrora com seu emprego, vê agora como um ofício onde perdeu a mão, não se contenta com as coisas que faz e com que o rodeava: ele estava infeliz. Até o dia em que decide comprar um OS (Sistema Operacional) que serve para atender todas as necessidades do ser humano, que possui uma inteligência artificial com senso de humor e compreensão mais subjetiva das coisas, o que a/o torna um companheiro que praticamente se comporta como um ser humano e logo, ambos estão apaixonados um pelo outro.

Spike Jonze já tinha realizado esse tipo de abordagem no curta-metragem I'm Here (confira o curta aqui), aonde dois robôs possuíam uma paixão, cada um com um espírito bastante diferente: um era mais reservado, enquanto a moça era mais aventureira, queria viver, mas se completavam, ambientado num mundo contemporâneo. Aqui a dinâmica é diferente, já que Theodore é uma pessoa que cria uma relação firme com seu Sistema Operacional chamado Samantha, que possui a envolvente voz de Scarlett Johansson, num trabalho excelente, um dos alicerces da obra, com sua voz aveludada, alterna entre momentos de descontração e de melancolia, trazendo as emoções que estavam faltando na vida de Theodore e que o faz amadurecer no âmbito das relações humanas.

Aliás, Theodore é um personagem que reflete boa parte das pessoas hoje em dia, escondidas nos cascos da internet e do mundo virtual, mesmo assim Spike Jonze não condena o uso da tecnologia em troca da interação humana real, sendo que ironicamente, o protagonista descobre numa inteligência artificial a felicidade e a vontade de viver, fazendo assim também que tenha que encarar certos conflitos que encararia ou já encarou na vida real, que o marcou profundamente e aos poucos, lhe causou um distanciamento doloroso de sua antiga amada, que aparece em flashbacks fragmentados e silenciosos e em uma pequena e importante passagem na pela de Rooney Mara. Então, no fim, é obviamente que certas circunstâncias criam atritos entre o casal da história e trás uma reflexão não só sobre o relacionamento amoroso, mas dos relacionamentos humanos como um todo e diversas relações são descritas no roteiro genial e sensível de Spike Jonze.

Com uma direção de arte sutil, que mescla o mundo contemporâneo com alguns elementos futurísticos, ainda assim, os objetos de cena não criam uma estética futurística muito exagerada, é aliás, bastante baseada nos design dos celulares e computadores, aonde mouses e controles foram trocados pelo toque das mãos e games avançados que interagem com os seres humanos. Não é o progresso tecnológico opressor conhecido nas obras cyberpunks, mas também não é visão super otimista dela, pois a estória é recheada de uma melancolia que não chega a ser sombria e claustrofóbica, mas retrata a nossa solidão, talvez porque sejamos mesmo seres difíceis de interagir e compreender (e auto-compreender) e quem cria a tecnologia é o próprio homem; então se Samantha tem seus conflitos internos (assim como HAL 9000 em 2001: Uma Odisséia no Espaço, mas sem a voz e o raciocínio lógico e que preza a sobrevivência) é porque o ser humano empresta suas complexidades de suas necessidades às nossas criações, pensando que a tecnologia plena é sinônimo de progresso e assim, de felicidade, o que é um erro.

Ela (Her) é um belíssimo filme que fala de amor, relações, solidão e nos faz refletir a nossa dependência pelas máquinas e o anseio de interagir com o mundo de forma plena e até perfeitamente harmoniosa, sem as picuinhas e sem as complexidades inúteis e supérfluas, aonde problemas surgem, aparentemente, do nada e se baseiam em sentimentos confusos, mas isso tudo é uma utopia, mesmo que você namore um sistema operacional programado que seja programado para atender suas necessidades.

Nota: 9,5/10,0





Trailer:

Um comentário:

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