quarta-feira, janeiro 8

Crítica: Sem Novidade no Front (1930)


Por Wendell Marcel

"A guerra sem volta"

A questão que leva um homem ir para a guerra defender o seu país, deixando para trás a sua família e amores, o berço social onde nasceu e viveu até a mais jovial idade, é de extrema e sociológica complexidade. A análise pode seguir o composto construção social, de pertencimento que esse indivíduo tem com sua nação, o desenvolvimento de costumes e o caráter formado através das influências dos seus pais e a mais importante intervenção da escola (instituições sociais), onde lá pratica com seus iguais relações interpessoais, psicológicas e ambientais. O fato dele morar e assim se apaixonar por sua terra, provoca nesse sujeito a importância de que aquele espaço é sua pátria e que é dever dele protegê-la e resguardá-la. Essa premissa funde com a complicação de quando sua nação é quem quer destronar outro território, assim a história desvela mais e mais questões sobre a rixa entre os governantes, reis e czars. Outros rabiscos são postos na chapa da dúvida humana: no período de guerra, o homem é um ser coletivo, e o uni não existe? Como se comportar em uma guerra pensando o coletivo, sendo que cada pessoa possui sua própria particularidade? Matar o outro para fazer viver os seus é compreensível n'um momento tão insustentável como é o campo de batalha? E as marcas deixadas pela guerra, eu defendo o meu país e não sinto mais as mesmas sensações por ele depois de ouvir as balas percorrerem meus ouvidos, e ver o meu parceiro ser destruído, fisicamente e psicologicamente pelos canhões do adversário, e ao término do dia deitar minha cabeça no travesseiro enquanto corpos apodrecem nos arredores dos ringues de batalha. Notoriamente, meu discurso se transforma, talvez, na mesma sensação de impotência que Paul, protagonista do filme, começa a sentir no final do segundo ato do longa colossal de Lewis Milestone.

Pouco lembrado pelos amantes do cinema, até menos que Vier von der Infanterie, de Pabst, Sem Novidade no Front é uma vitória na transição da equipagem do áudio mudo para o sonoro desta arte que agora falará, com voz, para o espectador. No comecinho da década de 30, a importada anos seguintes por títulos célebres (Tempos Modernos, Aconteceu Naquela Noite, E O Vento Levou), o mais impressionante filme de guerra americano desta década entra para a história, e não só por ter ganho a edição do Oscar pelo qual concorreu. O longa de Milestone acontece quinze anos depois do espetáculo que deixou críticos e amantes da sétima arte estupefatos, O Nascimento de Uma Nação, e abusa de esquemas de enquadramento e movimentação de câmera que fazem rememorar uma série de produções do gênero que visivelmente beberam da fonte deste belíssimo quadro. O campo de batalha é tomado por um passeio sob um travelling cheio de pedras, a fotografia medíocre suja de Arthur Edeson e Karl Freund, deixa tudo ainda mais verossímil; os soldados estão sempre cansados, pedindo o fim daquele absurdo chamado campo de batalha. Eles, homens de pátria e de honra, mais parecem porcos. Eles não almejam vitória, o que querem é qualquer espécie de comida que forram seus estômagos. Não aguentam mais serragem; ficam mais doentes pela falta de acolhimento do Estado do que pelos furos de bala que decepam seus corpos. Eles têm medo de entrar em confronto com o Outro; são jovens que só querem saber de garotas e diversão. No campo de batalha são eles sempre mais jovens, na falta dos que já morreram, um sem números, jogados no terreno minado, como objetos de rastreamento das balas e dos inimigos. Usando de motivos tão inocentes, mas concretos, Milestone declara em seu monumento fílmico que a guerra é um evento em que as pessoas se juntam para confrontar as vicissitudes mais ignorantes da vida e do seu confronto entre iguais: a competição por algo (sim, existe um motivo) que muitos daqueles que lutam, não vão poder saborear. E que sabor é esse de sangue, de ferrugem, de dores de mães, de nações destruídas? É só sangue, dor e destruição que vemos nas imagens de Sem Novidade no Front; é um filme absurdamente beligerante, sim, mas instruído em apresentar o antibelicionismo, a falácia tão difamada pelos insurgentes do cretinismo político territorializador e controlador, o pacifismo. Eu sou agora Paul, o rapaz que caçava borboletas no campo de sua cidade, e que precisa agora destruir um outro rapaz, até mais jovem do que ele.

Meus textos são sempre escritos para aqueles que já viram o filme, por isso a falta de linearidade na cotação da história, contudo uma retrospectiva é pertinente. Sete jovens alemães, ainda estudantes, são iludidos pelo professor a se alistarem no exército, e lutar em favor da nação na primeira guerra mundial. Os rapazes descobrem no primeiro encontro com o campo de batalha o quanto é retratável o conceito ensinado de respeito, solidariedade, instrução e educação na sociedade. Na guerra todo o aprendizado moral é jogado para o alto; e o único respeito que se pode ter naquele momento, é pela vontade de proteger sua nação. Contudo, os corpos se transformam, e voltar para casa depois de uma lesão, e sentir a necessidade de retornar para o campo de batalha, torna-se a essência do soldado. Tudo que ele viveu e aprendeu foi baleado e decepado no campo de batalha. Os sonhos juvenis morreram. Os belos rostos envelheceram dez anos. Como em um jogo de atirar no objeto e derrubá-lo para ganhar um doce, cada um dos sete amigos vão sendo destruídos pela guerra. Nem os melhores e nem os piores sujeitos sobrevivem, porque a guerra faz desaparecer a natureza do homem, sendo ela boa ou má em sua condição pragmática de moral. 

Sem Novidade no Front é baseado no romance best-seller de Erich Maria Remarque, quando o período marcado pela sua escrita era espelhado pelo sentimento da canção "I Didn't Raise My Son To Be a Soldier" (Eu não criei meu filho para ser soldado). Não é reconhecido, mas o filme de Milestone fez Hollywood produzir outros títulos que refizessem a Alemanha do pós-guerra, sendo o mais reconhecido The Road Back, de 1937. Neste mesmo ano, Jean Renoir filma A Grande Ilusão, talvez o retrato mais conhecido sobre a primeira guerra mundial. Os diretores Stanley Kubrick, Abel Gance e William Wyler falaram em seus filmes sobre o ocorrido das trincheiras, e neste terceiro nome, o retorno dos combatentes para suas famílias também é destacado. Nada de Novo no Front, um dos títulos conhecidos pelos leitores de cinema, teve uma refilmagem em 1979 feita para a tevê, e o filme foi restaurado apenas em 1998 para a apreciação mais proveitosa das imagens realistas do confronto armado no campo de batalha. 

Mais como é mágica a câmera de Milestone, mesmo mostrando os horrores da guerra, a cena final, pungente, cruel, que dilacera a alma deste espectador a quem vos escreve, mesmo assim, toma a morte como um voo mais alto. A única cor daquele acinzentado é a borboleta que descreve o toque, que reconstrói/rememora a história de Paul, fazendo referência ao conceito de natureza e religião de Michelangelo em seu afresco "A Criação do Homem". Assim, condicionados a retornar para o ambiente febril de incertezas da guerra, não sabendo o quanto ainda vão viver (contam piadas sobre a morte e dos caixões em que ainda serão enterrados), a lição prática ensinada da primeira grande guerra para o homem é dentre tantas, uma em particular: por que lavar pratos é mais vergonhoso do que matar uma pessoa sem razões tangíveis, ainda que não existam para este leigo que escreve. A primeira guerra é, provavelmente, a mais criticada dentro do cinema, por ser assim, tão inútil e tão horrorosamente desprezível. 

Nota: 9/10





2 comentários:

  1. é um filme que vou adiando ver, como a cereja no bolo, sabe? Agora, lendo seu texto, é inadiável. Quanto à guerra...O poder é monstruoso e tenho a impressão de que isso não vai ter fim. "O horror, o horror..."

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    Respostas
    1. Olá Neuzza, tudo bem?
      Veja sim, é realmente uma obra-prima!
      E volte pra comentar :)

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