quinta-feira, novembro 21

Crítica: Violência Gratuita (1997)


Por Maurício Owada

"Não é a violência do filme que nos incomoda,
mas o quanto nós somos capazes disso"

Era para ser um dia tranquilo numa casa de férias, senão fosse pela chegada de dois jovens psicopatas, que iniciam um jogo de sadismo com uma família que se vê presa e omissa. Essa premissa serviria para um thriller eficiente, senão tivesse caído nas mãos do diretor austríaco Michael Haneke. A princípio, o filme pode parecer sádico e doentio, mas a quebra da quarta parede que interliga o espectador com o assassino principal trás uma reflexão a nossa sociedade de como nós lidamos com a violência.

Nas telas dos nossos televisores, a violência se tornou banal e se elevou a um nível em que ela se torna um meio de entretenimento. Fomos levados a acreditar que ela é justificável. A violência está em todos os lugares e não podemos nos desvencilhar delas, seja na escola, nas casas e no trabalho e a discussão vai além da violência dita física, mas também psicológica e moral, aonde até mesmo a nossa própria inação enquanto testemunhamos uma agressão é, em si própria, uma agressão. Aqui no Brasil é uma questão que deve ser debatida com cuidado, levando em conta em como os ditos "jornalistas" e "formadores de opiniões" valorizam a truculência policial, o que nos leva a um debate que aborda a desigualdade social e racial, já que somos conhecidos pelo tratamento que é dado aos pobres e negros neste país. Mas tem a Internet, que tornou acessível aos nossos jovens, imagens fortes de mortes e assassinatos, além daqueles que são filmados pelo celular, como o de uma garota agredindo outra covardemente (algo que se tornou comum) e o resto das pessoas apenas assistem ou incitam a violência ali existente e depois, nós assistimos aquilo tudo e julgamos.

Esse tipo de discussão sobre a violência humana já tinha sido feita por Stanley Kubrick em Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1971), mas Michael Haneke leva a questão da banalização da mesma, colocando os sádicos psicopatas em contato com seu público e com sua mão pesada, Haneke dá um soco nos nossos estômagos ao nos mostrar o quão impassivos assistimos a diversos show de horrores como forma de entretenimento, mas o filme pode parecer cínico, mas só nos mostra o quão cínicos somos nós mesmos, ao nos deixar impassivos diante de uma situação que nos sufoca diante de tanta tortura psicológica. O casal que nada faz que muitas pessoas criticam por não fazerem nada é apenas o reflexo do espelho que Haneke nos dá pra ver nossa própria condição.

É claro que a mensagem de Michael Haneke não seria possível sem as atuações viscerais. Arno Frisch esbanja de um deboche a toda aquela situação que seu personagem psicopata se torna mais amedrontador, enquanto Susanne Lothar e Ulrich Mühe vivem o casal submisso às torturas, assim como a câmera que retrata tudo aquilo de forma impassiva, como por exemplo, o plano longo após uma cena chocante do filme, que nos deixa atônitos e processando o que acabara de acontecer e é essa sensação que Haneke é exímio em despertar em seu público, mostrando o lado mais cruel do ser humano e o quanto degenerativo são as nossas ações ao mundo.

No fim de Violência Gratuita (Funny Games), temos o Deus Ex Machina (com seu valor totalmente subvertido), porque no final, como dizia o psicopata Paul dizia: "Vocês querem que acabem? Vocês querem que isso termine de forma plausível e verossímil?". Pois então... e Haneke deixa explícito que as diferenças entre ficção e realidade não são tão grandes assim.

Nota: 9,0/10,0




Trailer:

3 comentários:

  1. Parabéns pela crítica. Estou lendo várias criticas desse filme, pois vou fazer uma vídeo-análise dessa obra. A sua crítica é a única até agora que se aproxima da abordagem que vou fazer, uma questão mais ligada à violência social que é banalizada, comercializada e compartilhada em nossa sociedade. Muito bom seu artigo!!!

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    1. Eu já tinha lido antes sobre a questão da violência social, mas encontrei vestígios da abordagem de Haneke pela quebra da quarta parede, como se aquilo fosse um programa de TV. um tipo de "pegadinha", aonde a linguagem é subvertida em função da mensagem. O sangue espalhado em cima da TV, principal difusora de informações com apelo em massa tremenda (até aquela época) é simbólica, hoje seria uma tela de internet. Não é só a banalização da violência, mas do mal! É mais tenso por isso, pelo que aquela violência representa.

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