terça-feira, março 4

Crítica: Inside Llewyn Davis: Balada de Um Homem Comum (2013)


Por Maurício Owada

"A repetição de erros dos personagens
dos Irmãos Coen"

Faz já algum tempo que os Irmãos Coen vêm trabalhando em obras distintas de seus trabalhos mais antigos e até, mais populares, como O Grande Lebowski e Fargo - Uma Comédia de Erros, demonstrando um amadurecimento cada vez maior ao longo da carreira deles. Dividindo os créditos de direção juntos desde Matadores de Velhinha, essa mudança se tornou apenas simbólico, já que são conhecidos de terem praticamente as mesmas ideias e isso nunca foi um agravante na carreira devido a contribuição mútua. Adotando um suspense com bem menos humor e bastante violência em Onde Os Fracos Não Têm Vez, voltando ao velho estilo em Queime Depois de Ler e Um Homem Sério, Joel e Ethan Coen partiram para tramas mais dramáticas e Bravura Indômita (um faroeste) foi um passo importante na filmografia e a pseudo-cinebiografia do compositor e cantor folk Dave Van Ronk (prestigiada em Cannes e esnobada no Oscar) atingiu um outro patamar em roteiro e direção.

O filme conta a trajetória de Llewyn Davis, um músico folk, que buscando o sucesso musical e artístico sem êxito, dorme em casas de amigos e conhecidos, seja no chão, no sofá ou na cama, acaba engravidando uma amiga e acaba cuidando de um gato que fugiu de um apartamento. Com uma sequência de erros que perturbam o protagonista, seja dele ou do que está a sua volta, Llewyn rodopia em fracasso e sua situação se torna praticamente um ciclo estático e sua desgraça lembra bastante a do personagem Larry Gopnik (Michael Stulhbarg) em Um Homem Sério, ainda que mais ameno, não deixa de causar uma angústia ao espectador. Por outro lado, a beleza musical presente em filmes como E Aí, Irmão, Cadê Você? e O Grande Lebowski demonstra cineastas com um belíssimo e apurado faro musical, com diversas músicas do gênero folk e algumas produzidas por eles mesmos, como a divertida Please Mr. Kennedy, mas aproveita as já existentes, como a belíssima Hang Me Oh, Hang Me de Dave Van Ronk, que abre o filme.

As músicas, interpretadas pelo próprio ator Oscar Isaac, passa um sentimento profundo e sua interpretação de músicas como The Death of Queen Jane é de uma beleza estupenda que deixa qualquer um em silêncio, como se o tempo parasse. Além de que Oscar sabe construir muito bem o seu personagem, sua apatia e seu olhar abatido do ciclo que vive repetindo e todo o desenrolar da trama é uma crônica do fracasso por assim dizer, e dos fracassados, como foi escolhido pelos diretores, já que consideravam que existiam filmes demais de pessoas que deram certo na vida; com o olhar pessimista comum em suas obras e uma ironia trágica comum nos personagens que compõe o imaginário de Joel e Ethan Coen, que geralmente não deram, não dão ou nunca darão certo na vida, como se o acaso estivesse disposto a afundá-los que apenas o humor negro deles saberia retratar e torna o cinema deles único. O acaso é sempre representado por um objeto "vivo" que percursa um longo caminho, como se fossemos nós prontos , mas aqui, os cineastas preferiram assumir essa representação em um gato, que aparece de forma bastante significativa na obra, sem nome e sem sexo distinto, o gato é um espelho da personalidade de seu protagonista, que não assume responsabilidades e não possui um teto, indo pra onde der pra ir.

Com uma direção de arte que sempre surpreende, a obra conta com um diferencial na fotografia, que nos filmes anteriores ficavam a cargo de Roger Deakins, acabou cedendo o lugar para Bruno Delbonnel (devido ao trabalho feito em Os Suspeitos, de Dennis Villeneuve), que trás uma estética diferente, em uma iluminação difusa de cores frias que ressalta do tom pastel e do contraste de luz e sombra dos filmes anteriores dos Coens, que assume um tom mais melancólico e enaltece o frio de Nova York, em pleno anos 60.

Com um elenco excelente, Carey Mulligan apenas comprova ser uma das mais talentosas e belas atrizes do seu tempo, enquanto temos uma curta e sensacional participação de John Goodman, que não trabalhava com os diretores há anos, como um velho músico decrépito e viciado chamado Roland Turner, com quem pega carona. Há participações competentes de Justin Timberlake, Garrett Hedlund e Adam Driver, que interpretam pessoas inspiradas em cantores e artistas reais, mas que são apresentadas de forma totalmente livre em prol da narrativa, obtendo nomes fictícios.

Inside Llewyn Davis - Balada de Um Homem Comum é um trabalho excepcional na carreira dos Irmãos Coen, que afundam em um drama intimista, mas com um senso de humor único, muito mais pontuado e sutil, camuflado na busca pelo reconhecimento artístico, uma jornada aonde não encontrará necessariamente o esperado, mas o óbvio, que mesmo que o acaso traga seus obstáculos (como mostrado em seus filmes anteriores, neste filme, Llewyn Davis fracassa pela suas escolhas, como aceitar o conselho de alguém ou decidir aceitar a responsabilidade por alguém. Llewyn Davis não tem casa e não tem sucesso. Llewyn Davis entra em mais uma gama de personagens malsucedidos dos Irmãos Coen.

*Ps.: Na capa do álbum Inside Dave Van Ronk (que inspirou o título do filme), no canto da porta aonde o cantor está posando, encostado, há um gato ao lado.

Nota: 10/10




Trailer:

2 comentários:

  1. Gosto dos trabalho dos irmãos, adorei o trailer e curti seu texto. Baixei o filme. Amanhã será minha última obra antes de voltar ao trabalho na quinta. abs

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Espero que curta o filme, pois é muito bom mesmo e vale a pena!

      Excluir

Aqui é o seu espaço, pode deixar seu comentário, sugestão ou crítica que logo iremos respondê-lo!