visão de Padilha prevalece num grande filme de estúdio"
O filme original de 1984 não ficou só conhecido pela violência e pelas cenas de ação, a linguagem que aborda o contexto todo a partir de uma televisão a lá Fox News, com propagandas igualmente tendenciosas, dava ao filme um tom de sarcasmo tão ácido quanto a química que derrete o corpo de um bandido, que se desfaz todo ao ser atropelado. Paul Verhoeven trazia uma crítica forte ao mundo corporativista e a política agressiva de Reagan dos anos 80, contando com o estereótipo da geração yuppie e tudo mais. Depois de mais duas sequências e uma série de TV, nunca mais se teve a qualidade e a visão única de Verhoeven, os tempos mudaram e Robocop, O Policial do Futuro (Robocop, 1984)continuou encantador, mas pra época apenas e como o filme não se centra num realismo, a obra continua até um certo ponto atual, mas com um visual e um contexto datado, após a revisão dos ideais capitalistas e uma mudança drástica na cultura após a vinda da internet.
Numa época de remakes inúteis e desnecessários, algo que acontecia antes com uma raridade e com resultados excepcionais e A Mosca (The Fly, 1986) de Cronenberg é um exemplo disso. José Padilha chamou a atenção lá fora após o Urso de Ouro pelo primeiro Tropa de Elite e pela bilheteria arrasadora do segundo filme no Brasil e conseguiu seu projeto lá fora, em Hollywood, ficando responsável pelo remake do tira ciborgue e a apreensão chegou num nível muito alto por se tratar de um clássico do cinema.
É interessante perceber que o cineasta brasileiro, além de conseguir levar um bom elenco, uma trama que aborda de forma diferente, mas não menos interessante, o contexto de um futuro próximo que se aproveita de elementos atuais, como a utilização de drones e máquinas não-pilotadas, levou uma equipe de profissionais como Daniel Rezende (montagem), Lula Carvalho (fotografia) e Pedro Bromfman (trilha-sonora) para o projeto que valia muito dinheiro para os executivos. Com uma sequência de abertura que sabota a grandiosidade da vinheta do MGM de forma interessante, com um Samuel L. Jackson bem inspirado como o âncora Pat Novak a lá Fox News (novamente!), acompanhando a ocupação de Teerã por robôs, defendendo o uso deles em território americano, proibida por uma lei e o discurso tendencioso e demagógico de Novak adquire um tom de ironia fortíssimo como o original, mas sem o humor debochado, tendo o teor mais sério de Tropa de Elite 2.
Aqui vemos o personagem de Alex Murphy, que é interpretado por Joel Kinnaman, como um detetive e não um policial de patrulha como no original, que surge após uma operação dar errado e seu parceiro ser baleado. Por meter o bedelho em assunto de um mafioso local, lhe é armado uma emboscada aonde se fere gravemente, caindo como uma luva para a OmniCorp, que quer fazer um protótipo de uma pessoa dentro de uma máquina para burlar a lei que proíbe máquinas nos EUA e o presidente da empresa Raymond Sellars (Michael Keaton) chama o cientista Dr. Robert Norton (Gary Oldman) para desenvolver o projeto. Após todo o processo de criação do RoboCop, ele vai perdendo seu livre-arbítrio e isso acaba contrariando os interesses da empresa robótica.
Se a classificação para 13 anos é um fator que retira boa parte da violência, Padilha dribla isso de várias formas e uma das cenas que mais chocam o espectador é quando mostra o que sobrou de Murphy, adotando um tom gore naquele momento que cai muito bem ao filme. Muitas cenas em RoboCop são bem sucedidas, ainda que não conte com inúmeras cenas de ação já que a obras se preocupa na elaboração daquele universo, através de uma direção de arte que é bom em partes, pois se os robôs, a tecnologia e até o programa sensacionalista remetam a algumas coisas, a Detroit do filme não remete a Detroit de verdade, muito limpa para representar uma cidade que anda falida nos últimos tempos. As cenas de ação não são a parte mais atrativa: é eficiente, mas é simples, não tem todo o estilo dele ainda mais por ser um filme de estúdio, se atendo a uma câmera mais sóbria, que intercala apenas com a subjetiva do RoboCop.
Na parte do elenco, Michael Keaton é a parte mais fraca em questões de atuação, a transição de um CEO ambicioso a um vilão afortunado é mais pela necessidade de mostrar quem é o cara mau da estória, Abbie Cornish é competente pelo pouco tempo que tem em cena para mostrar a esposa que passou por maus bocados por causa da emboscada e o seu parceiro interpretado por Michael Kenneth Williams, mas o destaque vai para Samuel L. Jackson que está a vontade em seu personagem e Gary Oldman, que dá ao seu personagem uma tridimensionalidade interessante ao se ver diante de um dilema moral que acompanha a ciência sempre.
O roteiro que passou por mais de quatro mãos aborda questões interessantes, mas são tantos assuntos que o filme se perde um pouco e acaba não indo além, deixando muita coisa a explorar e alguns personagens acabam não servindo para muita coisa. Com algumas partes técnicas responsabilizado por profissionais brasileiros com quem José Padilha já trabalhara, há um maior controle criativo em questões técnicas e a montagem feita também com Peter McNulty, o trabalho não se sabota e a parte visual cumpre bem o seu papel.
RoboCop (idem) não é perfeito, era óbvio devido ao controle acima do diretor que está atado, mas ainda assim José Padilha conseguiu colocar e abordar bem algumas questões pertinentes como o uso de drones em territórios estrangeiros pelo governo americano e a desumanização no embate homem vs. máquina, mas o jornalismo tendencioso e sensacionalista ficou meio de escanteio, servindo mais para manter a linguagem do original através das boas cenas de Samuel L. Jackson que apesar de boas, não vão além disso. Foi muito assunto para uma coisa só, além de que o cineasta conseguiu fazer um bom filme de ação que peca por não ser muito marcante mesmo tendo boas passagens. Pelo menos, o cineasta José Padilha conseguiu colocar um bom conteúdo num filme que poderia ter sido mais um remake desnecessário.
Nota: 7,0/10,0
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