domingo, março 9

Crítica: Vidas ao Vento (2013)


Por Maurício Owada

"A síntese do cinema de Miyazaki em seu 
filme testamento"

Aviões sempre fizeram parte dos sonhos de Hayao Miyazaki, e também do imaginário que compõe seus filmes. É a paixão confessa do diretor por uma beleza em sentir o vento no rosto e o baile dos aeromodelos em volta das nuvens, traduzidas em traços detalhistas de como seria voar... e que belo sonho. Mas Miyazaki nunca apresentou uma história no campo do realismo, apenas seu sócio Isao Takahata (outro interessante animador do estúdio que merece ser melhor conhecido), como em O Túmulo dos Vagalumes (Hotaru no Haka, 1988) e Only Yesterday (Omohide Poro Poro, 1991), sempre regados na memória... Miyazaki, em seu último filme (ao que parece), continua "voando" mesmo em um filme que conta a história de Jiro Horikoshi (seu primeiro protagonista masculino), um aviador que existiu e ficou conhecido por seu brilhantismo no design de aviões que projetou, um deles foi o conhecido como Zero, temido caça japonês utilizado na Segunda Guerra Mundial. O filme não calca apenas na realidade e elementos mais abstratos que dão um tom mais poético no modo de contar histórias torna tudo ainda mais rico de simbolismo e beleza.

Sem os encantadores cenários fantásticos, Vidas ao Vento (Kaze Tachinu) pode ser um desapontamento a inocência de suas obras anteriores, já que aqui os conflitos são mais complexos em relação ao que uma criança poderia entender com mais profundidade, focando mais no público adulto (como em Princesa Mononoke, pela complexidade dos personagens e pela violência gráfica), abordando temas como a guerra, o nazismo, o nacionalismo do Japão imperialista, mas apesar do filme abordar um rapaz que faz aviões para guerra (que se tornou uma polêmica na Ásia pelo passado lamentável do país na guerra), as partes em que Jiro conversa com o aviador Caproni num sonho compartilhado por ambos, ele assume que a beleza de voar é acompanhada com a maldição de ser também uma arma de matar e esse sacrifício, Jiro não hesita em fazer, assumindo um discurso anti-belicista comum em suas obras, mas de um modo mais complexo do que apenas uma analogia a realidade em um mundo fantástico.

Conhecido pela beleza de seus traços, o grupo de profissionais que Miyazaki comanda fazem um trabalho excepcional em animação e a obra opta por um retrato bem mais subjetivo da verdadeira história de Jiro, com belíssimos enquadramentos que imprimem aquilo tudo como um sonho perfeito, o que demonstra que Vidas ao Vento é o trabalho mais pessoal de Miyazaki, que guarda algumas coincidências com seu protagonista, como o fato de não poder pilotar no ar por ser míope. Outra coisa que enriquece a obra é como o vento é quase como um personagem, toda a história e os fatos que sucedem são consequências da presença do vento, que fica explícito apenas nas gramas altas que balançam com a brisa onipresente na trama, aquela que lhe revela seu objetivo e que trás seu grande amor.

Apesar do belíssimo trabalho de Miyazaki, em alguns pontos a obra ficam aquém do que já foi feito anteriormente, como o roteiro que se torna mais interessante com o romance com Nanoko Satomi vir à tona, que carrega todo um sentimento (não sentimentalismo como muitos insistem) em trono de um jovem com um grande sonho e sua amada que está com tuberculose, o sacrifício que cada um toma em prol do outro e o rumo da história é algo que levará o espectador a uma das cenas mais tristes e poéticas da carreira de Miyazaki, arrebatando com sua genialidade uma carreira extensa que se passou pela Toei Animation e que se seguiu independente e livre artisticamente no Studio Ghibli, passando pelo infantil, pelo surreal, pelo nostálgico indo até a sua obra mais adulta, mas jamais livre da beleza da criatividade de um dos mais importantes animadores de seu tempo, que fugiu do rótulo das grandes animações com trabalhos que aderia ao feminismo, as mensagens anti-guerra e ecológicas e a capacidade incrível da imaginação humana de criar coisas, sejam boas ou ruins.

Jiro é praticamente o alter-ego de Miyazaki e a vontade de fazer algo belo pode resumir todo o conjunto da obra do cineasta, mas o final demonstra um olhar mais realista da vida em si, ainda mais por ser pé no chão e uma época conturbada pela guerra e pela miséria que assolava o país na época, em um homem que se despede de sua arte com beleza e melancolia, como se já soubesse que esse dia chegaria.

Nota: 8,5/10,0




Trailer:

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