"Filme mostra os lutos de um casal à
beira de um labirinto emocional"
O diretor John Cameron Mitchell até então havia realizado filmes especialmente diferentes, os conhecidos undergrounds, que fogem das temáticas usuais do circuito comercial, com Hedwig - Rock, Amor e Traição (Hedwig and the Angry Inch, 2001) e Shortbus (idem, 2006). Com Reencontrando a Felicidade (Rabbit Hole, 2010) - usarei somente esta vez o título brasileiro, completamente inadequado - o diretor encontra um tipo de enredo demasiadamente visto no cinema americano, bem recebido pelos críticos e difícil de ser contado. Mitchell acerta nos três quesitos, e mais, faz com que as atenções para a estrela do elenco e produtora do longa, voltem a ser novamente abraçadas.
Nicole Kidman é Becca, uma mulher casada que está de luto depois de perder o seu filho de quatro anos, atropelado por um carro há oito meses. Junto com seu marido, Howie (Aaron Eckhart), os dois estão na fase da conformidade da morte, e a aceitação de que por trás do acontecimento trágico, a vida deve seguir em frente. Agora, uma questão imposta pelo filme é relevante: necessariamente, a vida deve seguir em frente? Como esquecer, ou não optar por isso, a morte de um filho? A observação desfavorável do título brasileiro é justamente esse, pois a premissa central não é reencontrar (ando) a felicidade, mas o caminho perpétuo de caminhar entre as lembranças e as escolhas de um presente e de um futuro diferente.
Enquanto que Becca escolhe esquecer Danny, doando as roupas do filho, se desfazendo dos brinquedos, entregando o cachorro que o garoto tanto gostava à sua mãe e chegando ao ponto de querer vender a casa; Howie reage de forma oposta, vendo vídeos do filho se divertindo no balanço, querendo trazer de volta o cão para casa ou se empenhando em manter a memória de Danny nos desenhos da parede e das marcas que ele deixou na geladeira. Quase não existem fotos de Danny nos cômodos; como se ele não tivesse existido naquela casa, a não ser pelo quarto do garoto. A contradição existente entre as reações dos dois sujeitos, não só pode ser analisada através de uma ótica psicológica, como também social, argumentando fatores emocionais e históricos dos personagens que são reais.
Uma curiosa e interessante relação de Becca com o jovem motorista do carro que atropelou o seu filho, coloca a personagem na investigação de refazer um momento tão doloroso em sua vida: a morte do seu primogênito. O mais importante elo que um ser humano poderia e poderá ter com outro ser humano. Quando a mãe insiste em se encontrar com o garoto, ela não só quer trazer de volta as lembranças do filho, que ao mesmo tempo tenta esquecê-las, como vê no rapaz um caminho para encontrar sua condição existencial nesse ciclo de impotência sentimental. De alguma forma, acredita ela, existe um elo entre Jason (o jovem motorista, que ainda têm uma vida pela frente, indo para a faculdade e saindo com garotas) e Danny (um garoto que teria as mesmas perspectivas que Jason), e Becca acredita que nesses encontros e nessa relação, um propósito que justifique ou até explique a impotência de recorrer a uma solução para aquele sofrimento possa ser alcançado. Ela acaba encontrando uma resposta para essa incerteza e incoerência de comparar dois indivíduos diferentes e complacentes de uma recorrente condição do gênero masculino. Mas essa resposta é básica, um alicerce para os desafios que ainda terá que enfrentar pela vida.
Outro recorte também chamativo nesse enredo é a relação de Howie com Gaby, que também perdeu um filho. De modo que Becca tenta se isolar da família e torna-se anti-social afim de recorrer ao seu luto de forma profunda e solitária, o marido procura ajuda em um grupo de apoio, onde vários pais tiveram a mesma experiência de perder um filho. Howie e Gaby se encontram em perfeita sintonia de sentimentos, compartilhando memórias e conversando, apenas, coisa que Becca procura extinguir na relação dos dois.
O silêncio, é bom destacar, é harmoniosamente bem utilizado na trama. Não se ouve nada, e ao mesmo tempo gritos percorrem a distância que existe entre o casal. Becca necessita explorar sua sã e devorável culpa de manter-se absorta em sua tristeza, e Howie procura espaços que possa explorar para encontrar significados para viver o sentimento. Ele, na verdade, não se repreende em chorar, emocionar-se; diferentemente de Becca, excluindo-se as evoluções que a personagem sofre no decorrer da trama. Os personagens secundários (em especial Nat, a magnífica e inacreditável Dianne Wiest; Izzy e Jason, o ótimo Miles Teller) estão para descobrir o casal em suas relações sociais, quando são obrigados a conviver e distribuir motivos para serem novamente felizes. Até certo momento essa falsa realidade se mantem erguida, mas desmorona na vida privada ou nos momentos individuais dos dois, assim como na sociabilidade com seus familiares. Becca, essencialmente, não se sente coagida a fingir uma predisposição a uma felicidade que não existe, entretanto, enfrenta os seus entes de forma errática e grosseira, tentando de certa forma chamar a atenção para o seu sofrimento, como se gritasse: "Eu estou aqui! Estou sofrendo. Preciso de atenção, de cuidados". Uma ambivalência.
A premiada peça teatral de David Lindsay-Abaire, Rabbit Hole, quando adaptada e colocada nas mãos de John Cameron se transforma numa incrível e impactante história dramática familiar, assim como nos palcos do teatro. Poderíamos falar da bela trilha sonora, da correta edição, dos diálogos poderosos; mas é sobretudo importante destacar, a sobriedade dos atores, claro, especialmente, Kidman. Quanta profusão de sentimentos. A todo momento uma sensação de tristeza, de incompletude, coisas a serem postas na mesa e discutidas. Rabbit Hole não faz nenhuma referência com motivos eloquentes de atribuir uma certeza absoluta sobre o luto e o desenvolvimento dele, mas os caminhos estão sendo percorridos, sem nunca serem titulados como certos ou errados. Não existe uma fórmula mágica de superar tamanha tragédia; o começo, o meio e o fim do filme mostram bem isso. A saída para esse labirinto, pode nunca ser descoberto. Nem poderia, pois a única certeza que o ser humano pode ter, é que a tristeza diminui, mas o sentimento de perda sempre será na mesma sintonia que as da batidas do coração. Nat ensina isso a Becca.
Quem assistiu ou for assistir Rabbit Hole, vai entender que nenhum texto será completo ao ponto de falar da tristeza e da amargura dos olhos de Becca ou das nuances de desespero contido em Howie. A tarefa se torna ainda mais complexa se se pretende esmiuçar Nat, Jason e Izzy. Personagens gigantes, bem elaborados, perfeitamente construídos para situações incômodas. O filme poderia ter outro nome: incompletude. A felicidade completa, nesse caso, é apenas uma utopia demasiadamente distante.
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