Olá cinéfilos! Vos falo pela primeira vez em um tom mais subjetivo, mais pessoal do que muitos outros textos. Comecei recentemente o curso de cinema na faculdade de Salto - SP e a visão que se ampliou nestas últimas semanas foi tão importante na minha concepção sobre essa arte, que vejo que não há nada melhor de exercitar esse pensamento senão escrevendo aquilo que aprendo.
Tenho aula de cultura cinematográfica toda terça e durante algumas aulas, fizemos uma análise de filmes que utiliza-se da metalinguagem na classe, seja para falar do cinema como indústria do entretenimento, a fábrica de ilusões (Hollywood) ou como arte, a janela da realidade (Neorrealismo Italiano), seja como for, acabou rolando através de dois filmes igualmente clássicos e eternos, uma reflexão da indústria majoritária do cinema mundial - o cinema hollywoodiano - Cantando na Chuva (1952), dirigido por Stanley Donen e Gene Kelly e Crepúsculo dos Deuses (1950), de Billy Wilder; e trazem duas visões distintas desta indústria. Ambos refletem os resultados das transformações na sétima arte após a inserção do som, cujo marco foi no filme O Cantor de Jazz (1927), levando suas possibilidades técnicas além do comum em animações da Disney como A Dança dos Esqueletos (1929), primeiro de vários da série Silly Simphony.
Cantando na Chuva e Crepúsculo dos Deuses, de dois gêneros que marcaram e caracterizaram o cinema americano - musical e noir -, lidam com a questão dos artistas após o fim do período mudo, que levou ao estrelato tantas personalidades populares como Charles Chaplin, Buster Keaton, Harold Lloyd, entre muitos outros.
Cantando na Chuva marca justamente a transição do mudo para o falado, onde o protagonista Don Lockwood (Gene Kelly) era um grande ator do cinema mudo e que se vê em meio a mudança para o som, porém sua capacidade para dançar e cantar vem como vantagem para se manter no estrelato, nesse meio tempo se apaixona pela jovem Kathy Selden, que quer virar uma estrela, mas que tem como obstáculo a pouco talentosa, fútil e mal-caráter Lina Lamont, uma atriz que sempre foi par romântico nos filmes com Don e que tem uma voz ruim para trabalhar em um filme falado; onde toda a história é acompanhada por números musicais lindamente coreografados.
Já Crepúsculo dos Deuses é um filme noir, com narração em off e um cadáver boiando na piscina morto a tiros logo no começo da película, deixando claro para o espectador como será dali em diante. Norma Desmond é uma esquecida atriz do cinema mudo que vive em uma mansão fantasma no bairro Sunset Boulevard (que dá nome ao título em inglês) com seu fiel mordomo Max von Mayerling. Um dia, um roteirista fracassado pára por acidente em sua casa e ela, mergulhada em sua fantasia de voltar a ser uma grande estrela do cinema, contrata o roteirista para escrever um filme a partir de um rascunho de uma história que ela própria escreveu, para que o lendário cineasta Cecil B. DeMille dirija.
Não há só o contraste de gênero entre as duas obras, mas também em questão a visão de Hollywood que eles abordam. Quando Billy Wilder lançou seu filme Crepúsculo dos Deuses em 1950, as opiniões se dividiram entre admiração e revolta, acusando o cineasta de "traição", mas que marcou época pela sua incrível coragem de mostrar os podres de Hollywood como uma indústria que produz "divindades" para depois, descartá-las quando não são mais úteis (leia-se lucrativas). O diretor, do mesmo modo que não poupa a indústria, também coloca uma parcela de culpa da mídia e até do público, que engrandece e venera essas estrelas, se alimentando de uma ilusão e ao mesmo tempo, alimentando a ilusão da mítica Hollywood, que por trás escondia os históricos dos atores e atrizes com problemas de drogas e bebidas, e numa época também de puro conservadorismo predominante onde se escondia a sexualidade destes atores, como o caso de Cary Grant que foi obrigado a esconder sua homossexualidade por imposição da Paramount (o mesmo estúdio que produziu Crepúsculo dos Deuses).
Norma Desmond e seu último close |
Joe Gillis, protagonista da obra de Wilder, chamava os esquecidos atores do cinema mudo que se encontravam num jogo de baralhos na casa de Norma de "figuras de cera", um insulto até, mas coerente diante da situação deles, relegados a objeto de museu e curiosamente entre eles estava o lendário Buster Keaton, estrela cômica do cinema mudo tão bom quanto seu "rival" Charles Chaplin, mas que teve sua carreira praticamente destruída após assinar contrato com a MGM e perder total criatividade artística. Os personagens principais Norma Desmond e Max von Mayerling tinha suas vidas como reflexo da decadência artística e tinham muito em comum com seus intérpretes: Gloria Swanson e Erich von Stroheim. Gloria era atriz do cinema mudo desde 1914, mas diferente de sua personagem, conseguiu manter a popularidade com a vinda do cinema sonoro e apesar de já uma longa carreira, acabou ficando eternizada como a decadente atriz que sonha trabalhar novamente com Cecil B. DeMille. Erich von Stroheim também tinha sido uma estrela do cinema mudo e trabalhou tanto como ator e ficou conhecido como um cineasta autoral.
Enquanto Norma é mostrada de certa forma, como uma vítima de Hollywood, Lina Lamont é totalmente ao
Lina Lamont "cantando lindamente" |
Seja como for, Crepúsculo dos Deuses e Cantando na Chuva são dois clássicos inquestionáveis do cinema, marcados por características clássicas, seja o cenário contrastante do noir e as cativantes músicas, reforçadas por uma narrativa pos-mortem ou uma coreografia cinematográfica em meio a uma chuva artificial misturada ao gelo e o ator aos 40 graus de febre. O que os torna atemporais é a proposta de ver o cinema através dele mesmo, desdobrar seus bastidores pela tela que os esconde e debater ou homenagear a sétima arte.
*Agradecimentos: Fernanda Cobo, professora de Cultura Cinematográfica e coordenadora do curso de Cinema na Faculdade de Comunicações, Artes e Design na CEUNSP - Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio, pelas aulas que acrescentaram ao meu conhecimento sobre a sétima arte e a história por trás das grandes produções, que redigi neste texto em questão.
adorei o artigo. dois clássicos do cinema, inesquecíveis!
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