Por Maurício Owada
"Um panorama social pelo olhar intimista de
Kleber Mendonça Filho"
O Som ao Redor retrata o cotidiano de moradores de uma rua da capital pernambucana e os conflitos que os acerca, seguindo três núcleos, Bia (Maeve Jinkings) que luta constantemente com o latido do vizinho, João (Gustavo Jahn) que acabara de conhecer e se apaixonar por Sofia (Irma Brown) e a chegada da vigilância da rua para assegurar a segurança do local comandada por Clodoaldo (Irandhir Santos).
Kleber Mendonça Filho abrange o panorama não apenas no sentido social, mas também histórico, demonstrado no começo do filme fotos de trabalhadores rurais a serviço de um grande fazendeiro, e aproveita para fazer diversas analogias ao abismo social ainda existente e gritante em nossa realidade, representado seja pela comunidade pobre cercada de grandes arranha-céus ou seja pelo cachorro do vizinho que constantemente late e é calado por Bia que fica constantemente irritada com seus latidos e ainda, possui uma vida monótona preenchida por afazeres domésticos, maconha e masturbação com auxílio da máquina de lavar.
O trabalho acerca do som é um dos maiores diferenciais e que rende diversas cenas brilhantes, resultado de um experimentalismo, Kleber faz dos sons fora do plano como revelador dos temores e conflitos dos personagens, assim como um simples barulho da parede do vizinho sendo furada. A banalização da violência é mostrada também, como quando uma mulher pede desconto na compra do apartamento porque sentia uma sensação ruim ao ouvir sobre uma moça que havia se suicidado lá. Diversos problemas são explorados de diversas maneiras nas passagens da obra, em seus conflitos particulares que atinge todos ao redor e Kleber faz isso com maestria, que filma os interiores das residências como prisões que sufoca aqueles personagens entre quatro paredes, optando por um uso de um plano amplo e simétrico em relação ao cenário, os muros altos que mal dão visão para o mar (ela só é vista quando o protagonista está no teto do prédio, cortada pelos arranha-céus a beira-mar) destacam o grande paradoxo da violência urbana: para se proteger, o cidadão fica preso em casa e seguro da selvageria de um cenário hostil feito de concreto, cimento e asfalto.
A sutileza na direção e um complexo roteiro é exaltada pela edição, que soube trabalhar cada som dentro do contexto e destaque quando o casal João e Sofia vão a um cinema abandonado dominado pelo mato alto e no contexto, o som adquire forma de lembrança, e assim o longa demonstra sua maior força: o objeto de estudo que nos traz um retrato da realidade das grandes metrópoles são advindos do psicológico de cada personagem e de forma ousada, ela adquire um caráter totalmente subjetivo e o final talvez seja um dos mais brilhantes dos últimos anos, onde no final se descobre que o "som ao redor" é o medo, construída por anos de funcionamento de uma sociedade desigual e injusta e que engole o indivíduo de forma traiçoeira.
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