quarta-feira, fevereiro 11

Crítica: Sniper Americano (2014)


Por Kaio Feliphe

"Desmitificação."

Filmes americanos com temática bélica sempre causam polêmicas pelo já conhecido patriotismo exacerbado dos ianques. Guerra ao Terror [The Hurt Locker, 2008], A Hora Mais Escura [Zero Dark Thirty, 2012] e O Resgate do Soldado Ryan [Saving Private Ryan, 1998] são alguns exemplos. Claro que nem sempre a crítica a tais obras é coerente; muitos são mal entendidos em sua mensagem. E o novo filme de Clint Eastwood, Sniper Americano [American Sniper, 2014], é o mais novo (e incompreendido) caso.

O filme conta a história de Chris Kyle, um atirador de elite da marinha norte-americana que é idolatrado pelas forças armadas do país. Elevado ao posto de lenda pelos seus feitos, Kyle tem aproximadamente 160 assassinatos em seu nome, além de outros 255 não confirmados.

Olhando simplesmente por esse resumo da vida do personagem a ser retratado e sabendo do histórico nacionalista do povo americano, é compreensível pensar que seria apenas mais um dos filmes de guerra onde o exército triunfa sobre o "mal" e a bandeira americana tremula imponente sob a luz do sol, numa imagem épica e ufanista sobre a superioridade dos EUA em relação aos outros povos.

Mas esse pré-conceito simplesmente se esvai ao ler o nome do diretor e produtor da obra. Um homem que tem no currículo filmes como Cartas de Iwo Jima [Letters From Iwo Jima, 2006], Gran Torino [Gran Torino, 2008] e Os Imperdoáveis [Unforgiven, 1992], trabalhos sensoriais onde não existem heróis e vilões, onde a distinção entre "bem" e "mal" é extremamente tênue, e onde a violência é tratada de forma cuidadosa, mostrando sua origem e como ela corrói e transforma seus personagens, não faria um trabalho raso assim. E Sniper Americano não decepciona.

A narrativa do filme é completamente linear. No início, somos apresentados a infância de Kyle; e é bem interessante como temos uma base bem sólida de sua criação com poucos minutos de projeção. Kyle nasceu num típico lar texano, com alta influência religiosa e educação rígida, principalmente por parte de seu pai. Em uma cena, o pai de Kyle dá um sermão a seus dois filhos sobre os tipos de pessoas que existem na nossa sociedade. Segundo ele, são três: as ovelhas, que são os cidadãos comuns e indefesos; os lobos, que são as ameaças à sociedade e às ovelhas; e os cães pastores, encarregados de proteger as ovelhas dos lobos. O pai enaltece que ele não criou nenhum de seus filhos pra ser ovelha ou lobo; e os pequenos flashes que mostram Chris protegendo seu irmão mais novo (de forma violenta, diga-se) de um outro garoto comprovam a tese. É essa característica de Kyle que dita toda a narrativa do longa.

Depois de fracassar como cowboy, Kyle descobre que seu destino é, realmente, proteger as pessoas. Com isso, ele ingressa na marinha americana. E é nesse momento que sua vida muda completamente. Ao ver na televisão o ataque às torres gêmeas, o cenário que seu pai contou está completo. O povo americano (as ovelhas) está sendo atacado pelos iraquianos (os lobos), e é dever de Kyle (como cão pastor) proteger seu país a todo custo.

A partir de então, a lenda começa a nascer. Seu prestígio como um exímio atirador de elite aumenta a cada morte, só que isso vem a um custo. Com suas constantes viagens ao oriente médio, Kyle fica distante de sua família e amigos. E essa dicotomia é extremamente bem trabalhada por Eastwood. Chris é adorado no seu trabalho, mas para isso ele teve que abandonar toda sua vida na América. Kyle não tem um relacionamento saudável com sua esposa durante o período da guerra, além de ser ausente na vida de seu irmão caçula. Porém, é ovacionado por seus companheiros de combate e é um verdadeiro ícone para todos. Ao mesmo tempo, situações de guerra o afetam seriamente. Em dois momentos específicos, o atirador se depara com a obrigação de matar uma criança. Obviamente, isso o atinge fortemente.

Esse é outro conflito interno do personagem vivido por Bradley Cooper, que entrega uma ótima atuação. Kyle se julga um cão pastor (em certo momento, ele diz que só se espera se encontrar com o Criador e justificar cada tiro que deu) e até se culpa por ver tantos companheiros morrerem no campo de batalha e não conseguir salvá-los. Mas, igualmente, ele não se sente confortável com as atitudes que seu trabalho obriga a fazer. Em uma cena, um soldado o encontra e o agradece por ter salvado sua vida. Kyle desvia o olhar, responde com poucas palavras, se sente incomodado com aquilo. Chris tem orgulho de ter salvo tantas vidas, mas a forma como ele às salvou e aquelas que ele não conseguiu o perturbam profundamente.

São essas discussões que destroem qualquer possibilidade de Sniper Americano ser um filme ufanista. Eastwood não exalta o mito (ou lenda) Chris Kyle, ele o humaniza. O atirador de elite exaltado por todos é um homem assombrado pelos fantasmas da guerra. A guerra que o afastou de sua família, de seus amigos e de seu lar, que fez com que fizesse coisas que não queria, que fez com que visse companheiros morrerem e que, pouco a pouco, acabou o matando também.

Eastwood desmitifica a lenda. Chris Kyle foi vítima da violência tão comum aos filmes do diretor, a violência que é quase inerente a seus personagens, que os afetam fisica e psicologicamente e que não distingue mocinhos de vilões. Sniper Americano é um belo estudo de personagem e, no final das contas, um filme anti-guerra. Ninguém sai ileso de um campo de batalha. A guerra pode acabar, mas ela o perseguirá para sempre. Não existem vencedores no combate, apenas sobreviventes de um pesadelo. E nem mesmo as lendas fogem à regra.

Nota: 8.0/10.0





Trailer:


Um comentário:

  1. É definitivamente um grande filme, da cabeça aos pés era um grande trabalho. Eu achei divertido. Em American Sniper, sem dúvida, Eastwood e Cooper conseguiram reflectir bem sobre a personalidade de tela Sniper começando com o seu profundo sentimento de patriotismo, e não podemos negar que Bradley Cooper faz um excelente papel como Kyle. A caracterização é muito bom e sua semelhança com o real é incrível. O filme é longo, mas são 132 minutos vale a pena.

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