sexta-feira, julho 4

Crítica: O Homem Duplicado (2013)


Por Kaio Feliphe

"A teia mental de Denis Villeneuve."

OBS 1: O texto abaixo contém spoilers. Portanto, recomenda-se que se tenha assistido ao filme antes de ler.

OBS 2: A interpretação a seguir é feita pelo autor do texto. Sinta-se livre em concordar ou discordar.

O Cinema é repleto de obras sobre identidade e a dicotomia realidade/fantasia. Inclusive, vários diretores têm esses como temas centrais de suas filmografias, como David Lynch e David Cronenberg, por exemplo. Geralmente são filmes instigantes, que passam as suas ideias de maneira incomum, surreal até, com mensagens visuais que exigem do espectador um esforço maior para a compreensão. E é aí que entra a mão do diretor, que tenta trabalhar na linha tênue que divide o compreensível do completo bizarro. Alguns conseguem, outros não.

O canadense Denis Villeneuve definitivamente entra no primeiro grupo com o seu novo O Homem Duplicado [Enemy, 2013], filme que aborda questões como relacionamentos e conflitos internos de uma maneira instigante. O filme conta a história de Adam Bell, um professor de história que tem uma vida completamente rotineira entre as suas aulas e sua namorada Mary. Adam aceita a sugestão de seu colega de trabalho e aluga o filme “Where There’s a Will There’s a Way”. No entanto, Adam percebe que um dos atores, Anthony St. Claire, é exatamente igual a ele, e isso o deixa completamente obcecado em conhecê-lo.

A partir de então, o filme entra em uma viagem pela mente de Adam/Anthony. Villeneuve não transparece uma divisão entre o que é real e o que não é, entre o que está acontecendo e o que é apenas imaginação. Isso é causado pela fotografia que se mantém uniforme durante toda a projeção. Seus tons amarelados chegam a passar uma sensação de doença, imergindo completamente o espectador na esquizofrênica narrativa da história.

Mas o grande trunfo de O Homem Duplicado é como o filme conversa com quem o assiste; como Villeneuve insere detalhes que transmitem toda a mensagem da obra e faz isso sem mastigar pro espectador. O diretor nos deixa pensar, e quer que façamos isso.

Com certeza, o grande “mistério” do filme sejam as aranhas e todos os elementos relacionados a elas que aparecem constantemente. Mas para entendê-las, é preciso dissecar Adam/Anthony. Os dois são partes da mente de um mesmo indivíduo (o filme deixa isso bem claro, como na conversa entre Adam e sua mãe; e quando Helen, esposa de Anthony, vai até a universidade). Esse indivíduo possui sérios problemas de compromisso. Ele não consegue se manter em um único relacionamento e tem medo de que isso aconteça.

Por isso, o uso das aranhas. Aranhas são conhecidas por prender suas presas em suas teias, além de que as fêmeas de algumas espécies matam o macho depois da copulação. Na simbologia do filme, aranhas representam as mulheres (e, por consequência, os relacionamentos com elas) na visão de Adam/Anthony (a imagem da mulher com a cabeça de aranha no sonho de Adam ilustra isso).

Outro fator que deixou todos intrigados foi a fantástica cena final. Mas antes dela, temos que analisar os acontecimentos que a precedem. Anthony pensa que Adam dormiu com Helen. Por isso, ele o propõe em fingir ser Adam para sair com Mary e os dois ficarem quites. Enquanto Anthony sai com Mary, Adam vai até o apartamento de Anthony. Nesse momento, Adam e Anthony deixam de existir. O que resta é o indivíduo e sua mente brigando entre si.

A montagem da cena seguinte é extremamente bem feita, pois ilustra exatamente esse embate. Enquanto o indivíduo (representado por Adam) dorme com sua esposa, sua mente (representada por Anthony) sai com Mary. Adam acorda no mesmo momento em que Mary descobre que Anthony é casado. Adam senta no sofá e começa a chorar; Anthony e Mary vão para o carro e começam a discutir. Helen vai até a sala e encontra seu marido, ele a pede desculpa e ela diz que quer que ele fique; durante a discussão, Anthony perde o controle do carro e bate.

Essa brilhante sequência mostra a briga interna entre homem e mente, entre sua força de manter o seu casamento e os seus instintos de fugir dele.

Finalmente, na cena final, ele (que não é mais nem Adam, nem Anthony) está vestindo um terno e encontra no seu bolso um envelope com uma chave. Essa é a nova chave do strip-club que ele frequentava (local mostrado no início do filme). Ele avisa Helen, com um olhar de tentação, que terá que sair a noite. Ao ir ao quarto, Helen não está lá, e sim uma aranha gigante. O grande detalhe dessa cena é que a aranha aparenta estar amedrontada. Por quê? Lembram do início do filme, quando Anthony está no strip-club e uma mulher ameaça pisar em uma aranha? A aranha gigante (que representa Helen e o casamento deles) está com medo de ser esmagada, de ser destruída da vida dele.

“Tudo isso é um padrão, que se repete ao longo da história.”

Por mais que ele tenha brigado e vencido seu lado egoísta e infiel, na primeira oportunidade que tiver, ele voltará à tona. Além disso, pode ser que ele não brigue mais

“Hegel disse que os maiores eventos da história acontecem duas vezes. Karl Marx acrescentou que na primeira vez é uma tragédia e na segunda, uma farsa.”

Sabe quando você tem um problema que não consegue solucioná-lo e começa a aprender a viver com ele, fazendo até piada dele? É assim que ele viverá. Se na primeira vez foi uma tragédia, na segunda será uma farsa, uma piada. Será apenas algo que ele aprendeu a conviver.

O Homem Duplicado é um dos mais instigantes filmes dos últimos anos. Depois da realização do também ótimo Os Suspeitos [Prisoners, 2013], Villeneuve vai se firmando com um diretor muito acima da média. Um diretor que conduz suas histórias não de uma forma didática e enlatada para o espectador, mas que imerge quem assiste em um universo e o deixa explorá-lo. E explorar universos é uma das coisas mais fantásticas que o Cinema nos permite fazer.

Nota: 8.0/10.0





Trailer:


Um comentário:

  1. Análise perfeita! Concordo plenamente. Longa vida a Villeneuve!!

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